A produção descentralizada tem enormes vantagens (2)
[MC tem o prazer de publicar na íntegra a entrevista concedida pelo Prof. Delgado Domingos à revista Climatização, de Setembro/Outubro de 2009, e conduzida por Rita Ascenso. Devido à sua extensão e às características do blogue, a entrevista foi dividida em duas partes. Esta é a 2ª parte.]
(continuação)
Do seu ponto de vista toda esta questão do aquecimento global foi em parte fabricada?
Foi, seguindo a máxima que já citei do senador Al Gore. Criando a percepção de uma catástrofe iminente a maioria das pessoas reage como se a catástrofe fosse certa e estão dispostas a aceitar sacrifícios que de outro modo rejeitariam. É o equivalente a uma metodologia de mobilização para a guerra.
Portanto acha que se desviaram as atenções do que é essencial e neste momento aquilo que existe anda à volta de uma operação de marketing...
Tem muito disso. Lembra-se da guerra do Iraque? Independentemente de haver guerra ou não haver guerra, conseguiu-se convencer praticamente toda a população mundial de que o Iraque tinha armas de destruição massiva e que as iria utilizar...e passou-se à acção. Com o relatório das alterações climáticas encomendado por Tony Blair a Lord Stern, passou-se um pouco o mesmo. Revistas tão conceituadas como a Economist denunciaram a sua finalidade eminentemente politica, logo que foi publicado, revelando também que o senador Al Gore fora contratado para a sua promoção.
O Protocolo de Quioto está aí e o negócio do mercado do carbono já está a funcionar...
Associado a Quioto existem os mecanismos de Quioto entre os quais o mercado do carbono e a bolsa correspondente. Prevê-se que represente em pouco tempo um mercado de mais de 700 mil milhões de dólares. Os bancos portugueses mais importantes já criaram os respectivos fundos na expectativa da valorização bolsista que antevêem.
Qual é o mecanismo?
Aparentemente é muito simples e sedutor. Fixa-se um tecto para as emissões nacionais, que não poderão exceder umas tantas toneladas de CO2 equivalente. O tecto nacional é fixado a nível europeu e a nível nacional o governo fixa as metas para cada sector. Quem emitir mais tem de comprar licenças a quem emitiu menos do que lhe tinha sido alocado e paga um valor mais elevado e pré-estabelecido, ou compensa com certos tipos de investimento na redução global do saldo das emissões. Para a compra e venda de licenças existe uma bolsa própria, e o seu valor de transacção resulta do mercado.
O governo utiliza as penalizações para investir no seu próprio fundo e para pagar os eventuais desvios nacionais. Teoricamente, este mecanismo conduz a uma redução das emissões porque premeia quem melhora e penaliza quem o não fizer. Reduzindo progressivamente os tectos nacionais, haverá uma progressiva redução global das emissões.
Na prática, as coisas não se passam bem assim como a experiência já mostrou e era inevitável. Por um lado, nem todos os emissores de GEE estão abrangidos, como por exemplo os transportes, que é dos mais importantes. Por outro, o governo pode arbitrariamente decidir aumentar os tectos para uns e reduzi-lo para outros o que, junto à enorme burocracia que a contabilização e controlo das emissões exige, torna inevitáveis os mais simples e os mais sofisticados esquemas de corrupção e de tráfico de influências. Basta notar que o governo pode influenciar directamente os lucros da bolsa fixando os tectos para as emissões.
O resultado final quanto à redução global de emissões de GEE é duvidoso, embora seja certa a transferência massiva de riqueza de uns sectores sociais para outros. Também é inevitável que o acréscimo da energia, motivado por todos estes encargos não produtivos seja transferido para o consumidor. Na prática, cria-se mais um imposto, embora disfarçado. Em meu entender, seria muito mais simples, eficaz e transparente, criar uma taxa sobre a energia logo na origem, com mecanismos transparentes de retorno de benefícios.
Sem a adesão dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) a um renovado e mais exigente protocolo de Quioto, o mercado do carbono não é credível. Percebe-se por isso a enorme orquestração da opinião pública mundial para forçar os BRIC a aderir. Por outro lado, muitos dos argumentos do tipo ético ou de responsabilidade social invocados na crítica aos não aderentes a Quioto, como sejam os BRIC, são hipócritas. De facto, os europeus e americanos que são tão críticos em relação à China, por exemplo, devem ter presente que 30 % das emissões na China são emitidas a produzir bens que são consumidos na Europa e nos EUA, pelo que, se deixarem de consumir esses bens essas emissões desaparecem.
Sendo assim, por que motivo o não fazem? Como facilmente se conclui, é o mecanismo de contabilização das emissões que está em causa. Actualmente, as emissões são imputadas ao país em que são emitidas e não ao país que induziu essas emissões, adquirindo os produtos que as originaram. Esta diferença de perspectiva é muito importante quando olhamos para as cidades, pois elas induzem mais de 80 % das emissões globais, para além das que directamente produzem. Na estratégia energética ambiental para Lisboa esta destrinça é feita no que se refere à electricidade.
Fala-se muito e quase em exclusivo no CO2 como o único responsável...
É fácil iludir as questões concentrando todos os males num só inimigo claramente identificado e que neste caso é o CO2. O CO2 e os GEE são certamente importantes, mas as alterações no uso do solo têm pelo menos igual importância e ao nível das cidades um efeito muito maior. Em Lisboa, as diferenças entre locais podem atingir vários ºC que podem ultrapassar os 10 ºC entre o solo e o ar. As nossas previsões meteorológicas mostram as diferenças por zonas e as observações disponíveis confirmam-no. Nestas assimetrias locais há vários mecanismos em simultâneo.
Um dos mais importantes reguladores é a troca de calor entre o solo e a atmosfera por evaporação da água (calor latente). A impermeabilização do solo, não só impede a infiltração da água da chuva e baixa a humidade do solo, como altera as trocas de energia que recebe do Sol com o meio circundante. Este efeito é reforçado ou atenuado consoante a geometria dos edifícios, a sua posição relativa, a sua inércia térmica e o seu revestimento exterior.
No caso do solo, a evaporação directa e a promovida pela vegetação constitui um regulador fundamental. Alterar a florestação ou a cobertura vegetal, é alterar o clima. A escolha dos materiais, tanto do edificado, como dos pavimentos provoca alterações locais de temperatura que por sua vez induzem movimentos do ar. Os movimentos do ar, induzidos localmente, atenuam ou reforçam a circulação de maior escala com reflexos directos na qualidade do ar e na sua temperatura e humidade.
A resolução pode passar pela forma como se projectam os espaços e as envolventes?
O problema central está na maneira como se planeiam as cidades. A cidade de Sacramento, nos EUA, por razões de energia eliminou bairros inteiros e plantou árvores. Para quê? Para baixar a temperatura de 1 ºC, 2 ºC e 3ºC e melhorar a qualidade do ar. Quando estamos na área do conforto, baixar 1 ºC ou 2 ºC significa muita energia que se não gasta no ar condicionado.
Para agravar a situação, muitos projectistas têm o hábito de sobredimensionar o equipamento. Nalguns casos justifica-se porque as condicionantes externas são diferentes de edifício para edifício e de andar para andar, facto que a nossa regulamentação térmica não tem em conta. O próprio arquitecto, raras vezes dá a importância devida às condicionantes climáticas, devido à facilidade tecnológica com que produz um clima para o edifício em vez de um edifício para o clima. É certamente mais fácil fazer isso, pois não pensa na energia que o facilitismo obrigará a gastar para sempre.
Devemos também lembrar que, o próprio ar condicionado do edifício, aumenta a temperatura do ar exterior. Quando é um caso isolado não pesa muito, quando é massivamente utilizado, o peso é enorme. A conclusão elementar é que temos de ter uma arquitectura adaptada ao clima se desejamos aumentar a eficiência do uso da energia nos edifícios e reduzir as emissões de GEE e tirar as devidas ilações do facto de a subida de temperatura nas cidades se dever também significativamente aos efeitos do urbanismo.
Os maiores consumidores são os edifícios...
Em Lisboa, se tivermos em conta os consumos de energia primária e as emissões induzidas, mais de 50 % deve-se aos edifícios. E nestes, os edifícios de serviços consomem mais do dobro dos residenciais.
Voltando um pouco atrás. Esta “falsa questão” do aquecimento global abriu-nos o caminho para as fontes renováveis, sustentabilidade... há um lado muito bom...
Sem dúvida. O lado negativo é estarmos a empolar um problema menor quando temos um problema real e grave, que deve ser atacado.
Do lado dos edifícios, o impulso das renováveis vem tarde?
No nosso caso, pelo menos com 30 ou 40 anos de atraso… Mas é positivo o que se está a fazer: reduz a dependência dos combustíveis fósseis, é um recurso nosso e um criador muito importante de emprego qualificado. E trabalho qualificado é o que nós precisamos, porque o nosso problema fundamental é o pequeno valor acrescentado à energia consumida. Em Portugal precisamos do dobro da energia que gasta a Dinamarca para criar a mesma unidade de riqueza, quando consumimos per capita só ligeiramente menos. Há mais de 30 anos que divergimos da média europeia. No início dos anos 70, Portugal e a Dinamarca acrescentavam praticamente o mesmo valor por unidade de energia consumida. Hoje gastamos o dobro.
Não começa a existir uma maior consciência energética? Não estamos a mudar?
Existe maior consciência mas não estamos a mudar ao ritmo necessário!
Mas não sente que já começa a nascer uma nova dinâmica e cultura energética?
Apenas de modo incipiente e provocado em grande parte pela subida do preço do petróleo.
Temos mecanismos e ferramentas para caminhar nesse sentido...
Temos o conhecimento e as ferramentas aplicativas, mas não estamos a andar nesse caminho com a convicção e o ritmo necessários…
Temos legislação…
Grande parte da legislação resulta de imposições comunitárias. Se estas imposições não existissem estaríamos muito pior. Mas a legislação, só por si, não cria conhecimento. A legislação cria regras e nós temos sempre a trágica tendência de dar competência legal a quem não tem competência real. Por decreto podem fazer-se engenheiros, dar o titulo...mas não a competência profissional correspondente. Não sou pessimista, estou apenas a tentar ser realista e quer se goste ou não, as coisas vão mudar porque, com o valor que acrescentamos à energia gasta, a nossa economia não aguenta. As nossas exportações não são competitivas e é com elas que pagamos o petróleo que importamos.
O que é que falta fazer?
Quando em sua casa passar a pagar o dobro ou o triplo na conta da electricidade, os seus hábitos vão mudar tal como começaram a mudar na utilização do automóvel quando o preço da gasolina subiu.
Quando as tarifas subirem para os valores reais e deixarem de ser subsidiadas?
Exactamente e tendo em conta, não apenas os subsídios directos mas sobretudo os indirectos que incluem as externalidades geradas na sua produção e consumo.
E como é que se inverte a tendência do aumento da intensidade energética nas cidades e no país?
Já referi que em Lisboa, e o mesmo se passa certamente nas outras cidades, os edifícios representam mais de metade do consumo e logo em seguida os transportes. O ordenamento do território e o urbanismo são dos principais factores. Se um edifício for bem concebido inicialmente, a concepção e orientação de um edifício de serviços, não é a mesma que para um residencial. A climatização é muito importante, mas não deve ser com a climatização que se compensam os erros que podiam ser evitados e custam imensa energia. Na verdade o que é que se pode fazer para corrigir estes e outros problemas que existem?
Quando se analisa o projecto de um edifício que ainda não está construído, pode fazer-se a simulação completa e saber o custo em energia que a sua utilização vai ter. Podem assim introduzir-se as alterações necessárias, antes de iniciar a obra, para que tal custo baixe para o mínimo possível sem lhe afectar a funcionalidade. Depois, tal como nas alterações climáticas, deveríamos confrontar os dados medidos com as previsões.
Na climatização é a mesma coisa. As previsões de consumo devem ser confrontadas com os consumos reais para que se possam melhorar continuamente as metodologias de cálculo e previsão. Um projectista que ganha este tipo de capacidade e qualificação tem um trabalho mais qualificado e acrescenta mais valor.
No âmbito das minhas responsabilidades na Agência de Energia de Lisboa, impus que os programas de simulação dos edifícios existentes façam as estimativas de consumo de energia com base nos valores reais medidos para a temperatura exterior e outros dados climáticos, num ano anterior, e que tais estimativas sejam confrontadas com os consumos efectivamente verificados. Com esta metodologia, os modelos e as hipóteses de cálculo vão melhorar significativamente tal como a qualidade da gestão de energia nos edifícios.
Esses valores existem para o país inteiro?
Para o país inteiro existem as observações do Instituto de Meteorologia e as do INAG. As do INAG são específicas e têm o mérito exemplar de ser públicas, gratuitas e testáveis, aceitando, corrigindo e agradecendo todas as eventuais inconsistências detectadas, como podemos testemunhar.
As do Instituto de Meteorologia são uma escandalosa aberração sob múltiplos aspectos. Por um lado, a obtenção daqueles valores, que é uma das suas responsabilidades legais, é financiada pelos nossos impostos e a contrapartida que dão aos que os pagam é exigir um pagamento adicional para ter acesso a eles quando se dignam responder ao pedido. De certo modo é o mesmo que pagar aos professores para ensinar e estes exigirem um pagamento adicional para revelarem as notas que deram aos alunos.
Para além desta aberração, não existe qualquer tipo de controlo externo que assegure a qualidade das medidas feitas. O mais significativo é que não só se furtam a qualquer tipo de validação externa aos dados e ao modo como estatisticamente os tratam, como ainda lhes cabe informar o mundo das alterações climáticas observadas em Portugal. Que confiança merecem? Para as simulações do comportamento térmico dos edifícios é necessário conhecer a variação horária das variáveis meteorológicas que o IM “naturalmente” não disponibiliza de modo a facilitar a utilização.
O antigo INETI, depois INEGI e hoje outra coisa que amanhã será diferente, também vende um programa e uma base de dados, utilizando valores do IM que afirma representar um ano tipo, que obviamente não serve os propósitos de melhoria e inovação que referi. A conclusão que se extrai do lamentável, mercantil, e abusivo comportamento destes Laboratórios de Estado, apesar de algumas relevantes e meritórias excepções a nível individual é que, no seu conjunto, os dados que produzem são insuficientes para além de a sua fiabilidade não ser tranquilizante.
Na situação actual o que temos de fazer para Portugal é criar uma base de dados a partir da assimilação das observações existentes por uma reconstrução climática. Com esta base, seria possível construir um zonamento fiável para todo o país e disponibilizar informação climática localizada, tal como hoje já é feito e disponibilizado diariamente no meu site. De certo modo, seria a extensão a todo o país do que fizemos para Lisboa com a reconstrução climática da onda de calor de 2003. Essa reconstrução, validada com os dados horários disponíveis, mostra como, mesmo para Lisboa, as variáveis climáticas, nomeadamente a temperatura, podem ser muito diferentes consoante a localização escolhida. Como sabe, o regulamento térmico dos edifícios desconhece completamente estes efeitos.
E esse é um trabalho que tem décadas neste departamento...
Sim. Já nos meados dos anos 70, quando a colaboração com o IM era excelente, efectuámos e validámos a digitalização dos primeiros anos de observações e publicámos a “Ocorrência Média Anual no Território Português das Classes de Estabilidade Atmosférica Pasquill-Gifford” para utilização nos estudos de dispersão de poluentes na atmosfera. Este trabalho foi e continua a ser muito utilizado em estudos de impacto ambiental e deveria há muito ter sido modernizado. Este trabalho como muitos outros que se seguiram, foram a aplicação natural do trabalho de investigação em Mecânica dos Fluidos Computacional, Turbulência, Camada Limite, etc.
Esses dados deveriam estar disponíveis porque são exigidos no âmbito da regulamentação térmica para a análise de desempenho de sistemas solares, nomeadamente quando se utiliza o programa de simulação Solterm (obrigatório)…
Tem toda a razão. Aliás, a previsão meteorológica que iniciámos operacionalmente em 2000 foi ditada pela recusa de colaboração e mesmo de obstrução do IM nesta área, beneficiando do seu monopólio legal de acesso ao Centro Europeu. Esta atitude bloqueava a investigação e desenvolvimento científico em muitas áreas de fundamental interesse, nomeadamente a energia eólica. Decidimos por isso iniciar de modo completamente autónomo do IM a previsão numérica do tempo para Portugal, tendo sido a primeira universidade portuguesa a fazê-lo.
Estas previsões são utilizadas pela REN (Redes Energéticas Nacionais) na previsão da energia eólica e na gestão da rede eléctrica, pela Protecção Civil da CML, Governo Civil de Santarém, etc. As previsões que fazemos são localizadas, gratuitas para os valores à superfície e muito mais pormenorizadas que as do IM, para além de actualizadas 4 vezes por dia.
Iniciámos recentemente a divulgação das previsões e das observações horárias nos aeroportos de Lisboa, Porto e Faro, em tempo real, de modo a permitir que o utilizador julgue por si a qualidade das previsões. Seria interessante que o IM nos seguisse o exemplo mas sobretudo que medisse as consequências da política que tem seguido.
De salientar que o nosso trabalho foi possível devido à generosidade dos organismos públicos dos EUA e dos colegas das suas Universidades, através dos quais obtemos, gratuitamente, muito dos dados com origem em Portugal que o IM não disponibiliza. Vale a pena também frisar que nos EUA tudo que é pago por dinheiros públicos é público e portanto gratuito, nomeadamente para os portugueses.
Como é que os dados para Portugal podem ser disponibilizados?
Esses dados são da responsabilidade legal do Instituto de Meteorologia e nós pagamos impostos para que ele exista como já referi anteriormente. É absolutamente evidente que os deveria disponibilizar gratuitamente, embora se desculpe com os acordos de monopólio que subscreveu com alguns congéneres europeus.
Para além disso, tenho algumas razões para pensar que o IM receia que o seu escrutínio público venha a revelar muitas falhas e incoerências, para além de inviabilizar alguns dos alegados negócios privados. Nós somos muito solicitados para fornecer esse tipo de dados e recomendamos sempre que se dirijam ao IM porque é ele que tem a responsabilidade legal e a obrigação de o fazer. Posto isto, cedemos gratuitamente e com muita frequência os resultados das previsões dos últimos 10 anos que temos arquivados.
Por outro lado, temos vindo a proceder à reconstrução e validação das variáveis climáticas dos últimos anos de que já dei o exemplo da onda de calor de 2003. Poderíamos fazê-lo para os últimos 50 anos, pois temos os dados base. Mas é um trabalho moroso e dispendioso, que não prossegue ao ritmo que desejaríamos porque não só não dispõe de nenhum apoio financeiro oficial, generosamente dispensado aos apologistas do aquecimento global, como ainda suscita a animosidade dos muitos interesses instalados responsáveis pela situação em que nos encontramos.
Voltando aos edifícios e aos diplomas. Acha que não têm conteúdo ou não são suficientes?
Os diplomas são importantes. A legislação E4 do Professor Oliveira Fernandes foi um avanço enorme. Todavia, embora muito importante, o enquadramento legal não funciona sozinho e a nível legal há medidas que são contraditórias e paralisantes. Remover as contradições e aplicá-la rigorosamente é o único meio de recuperar o atraso com que foi promulgada. É talvez necessário fazer com os edifícios o que se fez com o cinto de segurança nos automóveis, que inicialmente se iludia mas acabou por entrar nos nossos hábitos e na nossa cultura com benefício para todos. Ou seja, é fundamental que haja uma fiscalização sólida séria e competente a funcionar.
Disse há pouco que é necessário que a electricidade deixe de ser subsidiada para mudar em definitivo os comportamentos das pessoas quanto à energia...
É preciso perceber que os subsídios foram sempre retirados de outra possível utilização do que se cobrou nos impostos. Eu penso que é altura de começar a questionar os subsídios que não tenham uma convincente justificação e tenham sempre em conta as aplicações alternativas. Devíamos instituir uma taxa extra sobre a electricidade. Uma taxa e não um imposto. Seria uma taxa destinada a financiar quem quisesse melhorar o seu desempenho energético, ou seja, penalizar os desperdiçadores para financiar os que quisessem investir para reduzir a sua factura energética. No conjunto dos consumidores o saldo financeiro seria nulo. Isto seria um pouco o que a ERSE já iniciou com o PPEC, mas com outra amplitude e maiores ambições. Com isto também se criavam muitos empregos e se estimulava a produção de novos equipamentos e serviços de qualidade.
As cidades podem ser auto sustentáveis muito em breve?
Em cidades construídas de raiz como sucede actualmente na China será talvez possível aproximarmo-nos desse objectivo. Nas cidades existentes será muito difícil ou mesmo impossível na totalidade muito embora possam fazer-se avanços espectaculares nessa direcção. A produção descentralizada tem enormes vantagens, tanto de energias renováveis como utilizando micro cogeração e trigeração.
Há ainda outro conceito que devemos começar a ter em conta e que é a acumulação descentralizada, que pode vir a dar uma ajuda substancial na regularização do diagrama de cargas eléctricas, o que está estreitamente ligado à generalização das redes inteligentes tornadas possíveis pelos desenvolvimentos da informática e das redes de comunicações, nomeadamente as baseadas em fibra óptica.
(continuação)
Do seu ponto de vista toda esta questão do aquecimento global foi em parte fabricada?
Foi, seguindo a máxima que já citei do senador Al Gore. Criando a percepção de uma catástrofe iminente a maioria das pessoas reage como se a catástrofe fosse certa e estão dispostas a aceitar sacrifícios que de outro modo rejeitariam. É o equivalente a uma metodologia de mobilização para a guerra.
Portanto acha que se desviaram as atenções do que é essencial e neste momento aquilo que existe anda à volta de uma operação de marketing...
Tem muito disso. Lembra-se da guerra do Iraque? Independentemente de haver guerra ou não haver guerra, conseguiu-se convencer praticamente toda a população mundial de que o Iraque tinha armas de destruição massiva e que as iria utilizar...e passou-se à acção. Com o relatório das alterações climáticas encomendado por Tony Blair a Lord Stern, passou-se um pouco o mesmo. Revistas tão conceituadas como a Economist denunciaram a sua finalidade eminentemente politica, logo que foi publicado, revelando também que o senador Al Gore fora contratado para a sua promoção.
O Protocolo de Quioto está aí e o negócio do mercado do carbono já está a funcionar...
Associado a Quioto existem os mecanismos de Quioto entre os quais o mercado do carbono e a bolsa correspondente. Prevê-se que represente em pouco tempo um mercado de mais de 700 mil milhões de dólares. Os bancos portugueses mais importantes já criaram os respectivos fundos na expectativa da valorização bolsista que antevêem.
Qual é o mecanismo?
Aparentemente é muito simples e sedutor. Fixa-se um tecto para as emissões nacionais, que não poderão exceder umas tantas toneladas de CO2 equivalente. O tecto nacional é fixado a nível europeu e a nível nacional o governo fixa as metas para cada sector. Quem emitir mais tem de comprar licenças a quem emitiu menos do que lhe tinha sido alocado e paga um valor mais elevado e pré-estabelecido, ou compensa com certos tipos de investimento na redução global do saldo das emissões. Para a compra e venda de licenças existe uma bolsa própria, e o seu valor de transacção resulta do mercado.
O governo utiliza as penalizações para investir no seu próprio fundo e para pagar os eventuais desvios nacionais. Teoricamente, este mecanismo conduz a uma redução das emissões porque premeia quem melhora e penaliza quem o não fizer. Reduzindo progressivamente os tectos nacionais, haverá uma progressiva redução global das emissões.
Na prática, as coisas não se passam bem assim como a experiência já mostrou e era inevitável. Por um lado, nem todos os emissores de GEE estão abrangidos, como por exemplo os transportes, que é dos mais importantes. Por outro, o governo pode arbitrariamente decidir aumentar os tectos para uns e reduzi-lo para outros o que, junto à enorme burocracia que a contabilização e controlo das emissões exige, torna inevitáveis os mais simples e os mais sofisticados esquemas de corrupção e de tráfico de influências. Basta notar que o governo pode influenciar directamente os lucros da bolsa fixando os tectos para as emissões.
O resultado final quanto à redução global de emissões de GEE é duvidoso, embora seja certa a transferência massiva de riqueza de uns sectores sociais para outros. Também é inevitável que o acréscimo da energia, motivado por todos estes encargos não produtivos seja transferido para o consumidor. Na prática, cria-se mais um imposto, embora disfarçado. Em meu entender, seria muito mais simples, eficaz e transparente, criar uma taxa sobre a energia logo na origem, com mecanismos transparentes de retorno de benefícios.
Sem a adesão dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) a um renovado e mais exigente protocolo de Quioto, o mercado do carbono não é credível. Percebe-se por isso a enorme orquestração da opinião pública mundial para forçar os BRIC a aderir. Por outro lado, muitos dos argumentos do tipo ético ou de responsabilidade social invocados na crítica aos não aderentes a Quioto, como sejam os BRIC, são hipócritas. De facto, os europeus e americanos que são tão críticos em relação à China, por exemplo, devem ter presente que 30 % das emissões na China são emitidas a produzir bens que são consumidos na Europa e nos EUA, pelo que, se deixarem de consumir esses bens essas emissões desaparecem.
Sendo assim, por que motivo o não fazem? Como facilmente se conclui, é o mecanismo de contabilização das emissões que está em causa. Actualmente, as emissões são imputadas ao país em que são emitidas e não ao país que induziu essas emissões, adquirindo os produtos que as originaram. Esta diferença de perspectiva é muito importante quando olhamos para as cidades, pois elas induzem mais de 80 % das emissões globais, para além das que directamente produzem. Na estratégia energética ambiental para Lisboa esta destrinça é feita no que se refere à electricidade.
Fala-se muito e quase em exclusivo no CO2 como o único responsável...
É fácil iludir as questões concentrando todos os males num só inimigo claramente identificado e que neste caso é o CO2. O CO2 e os GEE são certamente importantes, mas as alterações no uso do solo têm pelo menos igual importância e ao nível das cidades um efeito muito maior. Em Lisboa, as diferenças entre locais podem atingir vários ºC que podem ultrapassar os 10 ºC entre o solo e o ar. As nossas previsões meteorológicas mostram as diferenças por zonas e as observações disponíveis confirmam-no. Nestas assimetrias locais há vários mecanismos em simultâneo.
Um dos mais importantes reguladores é a troca de calor entre o solo e a atmosfera por evaporação da água (calor latente). A impermeabilização do solo, não só impede a infiltração da água da chuva e baixa a humidade do solo, como altera as trocas de energia que recebe do Sol com o meio circundante. Este efeito é reforçado ou atenuado consoante a geometria dos edifícios, a sua posição relativa, a sua inércia térmica e o seu revestimento exterior.
No caso do solo, a evaporação directa e a promovida pela vegetação constitui um regulador fundamental. Alterar a florestação ou a cobertura vegetal, é alterar o clima. A escolha dos materiais, tanto do edificado, como dos pavimentos provoca alterações locais de temperatura que por sua vez induzem movimentos do ar. Os movimentos do ar, induzidos localmente, atenuam ou reforçam a circulação de maior escala com reflexos directos na qualidade do ar e na sua temperatura e humidade.
A resolução pode passar pela forma como se projectam os espaços e as envolventes?
O problema central está na maneira como se planeiam as cidades. A cidade de Sacramento, nos EUA, por razões de energia eliminou bairros inteiros e plantou árvores. Para quê? Para baixar a temperatura de 1 ºC, 2 ºC e 3ºC e melhorar a qualidade do ar. Quando estamos na área do conforto, baixar 1 ºC ou 2 ºC significa muita energia que se não gasta no ar condicionado.
Para agravar a situação, muitos projectistas têm o hábito de sobredimensionar o equipamento. Nalguns casos justifica-se porque as condicionantes externas são diferentes de edifício para edifício e de andar para andar, facto que a nossa regulamentação térmica não tem em conta. O próprio arquitecto, raras vezes dá a importância devida às condicionantes climáticas, devido à facilidade tecnológica com que produz um clima para o edifício em vez de um edifício para o clima. É certamente mais fácil fazer isso, pois não pensa na energia que o facilitismo obrigará a gastar para sempre.
Devemos também lembrar que, o próprio ar condicionado do edifício, aumenta a temperatura do ar exterior. Quando é um caso isolado não pesa muito, quando é massivamente utilizado, o peso é enorme. A conclusão elementar é que temos de ter uma arquitectura adaptada ao clima se desejamos aumentar a eficiência do uso da energia nos edifícios e reduzir as emissões de GEE e tirar as devidas ilações do facto de a subida de temperatura nas cidades se dever também significativamente aos efeitos do urbanismo.
Os maiores consumidores são os edifícios...
Em Lisboa, se tivermos em conta os consumos de energia primária e as emissões induzidas, mais de 50 % deve-se aos edifícios. E nestes, os edifícios de serviços consomem mais do dobro dos residenciais.
Voltando um pouco atrás. Esta “falsa questão” do aquecimento global abriu-nos o caminho para as fontes renováveis, sustentabilidade... há um lado muito bom...
Sem dúvida. O lado negativo é estarmos a empolar um problema menor quando temos um problema real e grave, que deve ser atacado.
Do lado dos edifícios, o impulso das renováveis vem tarde?
No nosso caso, pelo menos com 30 ou 40 anos de atraso… Mas é positivo o que se está a fazer: reduz a dependência dos combustíveis fósseis, é um recurso nosso e um criador muito importante de emprego qualificado. E trabalho qualificado é o que nós precisamos, porque o nosso problema fundamental é o pequeno valor acrescentado à energia consumida. Em Portugal precisamos do dobro da energia que gasta a Dinamarca para criar a mesma unidade de riqueza, quando consumimos per capita só ligeiramente menos. Há mais de 30 anos que divergimos da média europeia. No início dos anos 70, Portugal e a Dinamarca acrescentavam praticamente o mesmo valor por unidade de energia consumida. Hoje gastamos o dobro.
Não começa a existir uma maior consciência energética? Não estamos a mudar?
Existe maior consciência mas não estamos a mudar ao ritmo necessário!
Mas não sente que já começa a nascer uma nova dinâmica e cultura energética?
Apenas de modo incipiente e provocado em grande parte pela subida do preço do petróleo.
Temos mecanismos e ferramentas para caminhar nesse sentido...
Temos o conhecimento e as ferramentas aplicativas, mas não estamos a andar nesse caminho com a convicção e o ritmo necessários…
Temos legislação…
Grande parte da legislação resulta de imposições comunitárias. Se estas imposições não existissem estaríamos muito pior. Mas a legislação, só por si, não cria conhecimento. A legislação cria regras e nós temos sempre a trágica tendência de dar competência legal a quem não tem competência real. Por decreto podem fazer-se engenheiros, dar o titulo...mas não a competência profissional correspondente. Não sou pessimista, estou apenas a tentar ser realista e quer se goste ou não, as coisas vão mudar porque, com o valor que acrescentamos à energia gasta, a nossa economia não aguenta. As nossas exportações não são competitivas e é com elas que pagamos o petróleo que importamos.
O que é que falta fazer?
Quando em sua casa passar a pagar o dobro ou o triplo na conta da electricidade, os seus hábitos vão mudar tal como começaram a mudar na utilização do automóvel quando o preço da gasolina subiu.
Quando as tarifas subirem para os valores reais e deixarem de ser subsidiadas?
Exactamente e tendo em conta, não apenas os subsídios directos mas sobretudo os indirectos que incluem as externalidades geradas na sua produção e consumo.
E como é que se inverte a tendência do aumento da intensidade energética nas cidades e no país?
Já referi que em Lisboa, e o mesmo se passa certamente nas outras cidades, os edifícios representam mais de metade do consumo e logo em seguida os transportes. O ordenamento do território e o urbanismo são dos principais factores. Se um edifício for bem concebido inicialmente, a concepção e orientação de um edifício de serviços, não é a mesma que para um residencial. A climatização é muito importante, mas não deve ser com a climatização que se compensam os erros que podiam ser evitados e custam imensa energia. Na verdade o que é que se pode fazer para corrigir estes e outros problemas que existem?
Quando se analisa o projecto de um edifício que ainda não está construído, pode fazer-se a simulação completa e saber o custo em energia que a sua utilização vai ter. Podem assim introduzir-se as alterações necessárias, antes de iniciar a obra, para que tal custo baixe para o mínimo possível sem lhe afectar a funcionalidade. Depois, tal como nas alterações climáticas, deveríamos confrontar os dados medidos com as previsões.
Na climatização é a mesma coisa. As previsões de consumo devem ser confrontadas com os consumos reais para que se possam melhorar continuamente as metodologias de cálculo e previsão. Um projectista que ganha este tipo de capacidade e qualificação tem um trabalho mais qualificado e acrescenta mais valor.
No âmbito das minhas responsabilidades na Agência de Energia de Lisboa, impus que os programas de simulação dos edifícios existentes façam as estimativas de consumo de energia com base nos valores reais medidos para a temperatura exterior e outros dados climáticos, num ano anterior, e que tais estimativas sejam confrontadas com os consumos efectivamente verificados. Com esta metodologia, os modelos e as hipóteses de cálculo vão melhorar significativamente tal como a qualidade da gestão de energia nos edifícios.
Esses valores existem para o país inteiro?
Para o país inteiro existem as observações do Instituto de Meteorologia e as do INAG. As do INAG são específicas e têm o mérito exemplar de ser públicas, gratuitas e testáveis, aceitando, corrigindo e agradecendo todas as eventuais inconsistências detectadas, como podemos testemunhar.
As do Instituto de Meteorologia são uma escandalosa aberração sob múltiplos aspectos. Por um lado, a obtenção daqueles valores, que é uma das suas responsabilidades legais, é financiada pelos nossos impostos e a contrapartida que dão aos que os pagam é exigir um pagamento adicional para ter acesso a eles quando se dignam responder ao pedido. De certo modo é o mesmo que pagar aos professores para ensinar e estes exigirem um pagamento adicional para revelarem as notas que deram aos alunos.
Para além desta aberração, não existe qualquer tipo de controlo externo que assegure a qualidade das medidas feitas. O mais significativo é que não só se furtam a qualquer tipo de validação externa aos dados e ao modo como estatisticamente os tratam, como ainda lhes cabe informar o mundo das alterações climáticas observadas em Portugal. Que confiança merecem? Para as simulações do comportamento térmico dos edifícios é necessário conhecer a variação horária das variáveis meteorológicas que o IM “naturalmente” não disponibiliza de modo a facilitar a utilização.
O antigo INETI, depois INEGI e hoje outra coisa que amanhã será diferente, também vende um programa e uma base de dados, utilizando valores do IM que afirma representar um ano tipo, que obviamente não serve os propósitos de melhoria e inovação que referi. A conclusão que se extrai do lamentável, mercantil, e abusivo comportamento destes Laboratórios de Estado, apesar de algumas relevantes e meritórias excepções a nível individual é que, no seu conjunto, os dados que produzem são insuficientes para além de a sua fiabilidade não ser tranquilizante.
Na situação actual o que temos de fazer para Portugal é criar uma base de dados a partir da assimilação das observações existentes por uma reconstrução climática. Com esta base, seria possível construir um zonamento fiável para todo o país e disponibilizar informação climática localizada, tal como hoje já é feito e disponibilizado diariamente no meu site. De certo modo, seria a extensão a todo o país do que fizemos para Lisboa com a reconstrução climática da onda de calor de 2003. Essa reconstrução, validada com os dados horários disponíveis, mostra como, mesmo para Lisboa, as variáveis climáticas, nomeadamente a temperatura, podem ser muito diferentes consoante a localização escolhida. Como sabe, o regulamento térmico dos edifícios desconhece completamente estes efeitos.
E esse é um trabalho que tem décadas neste departamento...
Sim. Já nos meados dos anos 70, quando a colaboração com o IM era excelente, efectuámos e validámos a digitalização dos primeiros anos de observações e publicámos a “Ocorrência Média Anual no Território Português das Classes de Estabilidade Atmosférica Pasquill-Gifford” para utilização nos estudos de dispersão de poluentes na atmosfera. Este trabalho foi e continua a ser muito utilizado em estudos de impacto ambiental e deveria há muito ter sido modernizado. Este trabalho como muitos outros que se seguiram, foram a aplicação natural do trabalho de investigação em Mecânica dos Fluidos Computacional, Turbulência, Camada Limite, etc.
Esses dados deveriam estar disponíveis porque são exigidos no âmbito da regulamentação térmica para a análise de desempenho de sistemas solares, nomeadamente quando se utiliza o programa de simulação Solterm (obrigatório)…
Tem toda a razão. Aliás, a previsão meteorológica que iniciámos operacionalmente em 2000 foi ditada pela recusa de colaboração e mesmo de obstrução do IM nesta área, beneficiando do seu monopólio legal de acesso ao Centro Europeu. Esta atitude bloqueava a investigação e desenvolvimento científico em muitas áreas de fundamental interesse, nomeadamente a energia eólica. Decidimos por isso iniciar de modo completamente autónomo do IM a previsão numérica do tempo para Portugal, tendo sido a primeira universidade portuguesa a fazê-lo.
Estas previsões são utilizadas pela REN (Redes Energéticas Nacionais) na previsão da energia eólica e na gestão da rede eléctrica, pela Protecção Civil da CML, Governo Civil de Santarém, etc. As previsões que fazemos são localizadas, gratuitas para os valores à superfície e muito mais pormenorizadas que as do IM, para além de actualizadas 4 vezes por dia.
Iniciámos recentemente a divulgação das previsões e das observações horárias nos aeroportos de Lisboa, Porto e Faro, em tempo real, de modo a permitir que o utilizador julgue por si a qualidade das previsões. Seria interessante que o IM nos seguisse o exemplo mas sobretudo que medisse as consequências da política que tem seguido.
De salientar que o nosso trabalho foi possível devido à generosidade dos organismos públicos dos EUA e dos colegas das suas Universidades, através dos quais obtemos, gratuitamente, muito dos dados com origem em Portugal que o IM não disponibiliza. Vale a pena também frisar que nos EUA tudo que é pago por dinheiros públicos é público e portanto gratuito, nomeadamente para os portugueses.
Como é que os dados para Portugal podem ser disponibilizados?
Esses dados são da responsabilidade legal do Instituto de Meteorologia e nós pagamos impostos para que ele exista como já referi anteriormente. É absolutamente evidente que os deveria disponibilizar gratuitamente, embora se desculpe com os acordos de monopólio que subscreveu com alguns congéneres europeus.
Para além disso, tenho algumas razões para pensar que o IM receia que o seu escrutínio público venha a revelar muitas falhas e incoerências, para além de inviabilizar alguns dos alegados negócios privados. Nós somos muito solicitados para fornecer esse tipo de dados e recomendamos sempre que se dirijam ao IM porque é ele que tem a responsabilidade legal e a obrigação de o fazer. Posto isto, cedemos gratuitamente e com muita frequência os resultados das previsões dos últimos 10 anos que temos arquivados.
Por outro lado, temos vindo a proceder à reconstrução e validação das variáveis climáticas dos últimos anos de que já dei o exemplo da onda de calor de 2003. Poderíamos fazê-lo para os últimos 50 anos, pois temos os dados base. Mas é um trabalho moroso e dispendioso, que não prossegue ao ritmo que desejaríamos porque não só não dispõe de nenhum apoio financeiro oficial, generosamente dispensado aos apologistas do aquecimento global, como ainda suscita a animosidade dos muitos interesses instalados responsáveis pela situação em que nos encontramos.
Voltando aos edifícios e aos diplomas. Acha que não têm conteúdo ou não são suficientes?
Os diplomas são importantes. A legislação E4 do Professor Oliveira Fernandes foi um avanço enorme. Todavia, embora muito importante, o enquadramento legal não funciona sozinho e a nível legal há medidas que são contraditórias e paralisantes. Remover as contradições e aplicá-la rigorosamente é o único meio de recuperar o atraso com que foi promulgada. É talvez necessário fazer com os edifícios o que se fez com o cinto de segurança nos automóveis, que inicialmente se iludia mas acabou por entrar nos nossos hábitos e na nossa cultura com benefício para todos. Ou seja, é fundamental que haja uma fiscalização sólida séria e competente a funcionar.
Disse há pouco que é necessário que a electricidade deixe de ser subsidiada para mudar em definitivo os comportamentos das pessoas quanto à energia...
É preciso perceber que os subsídios foram sempre retirados de outra possível utilização do que se cobrou nos impostos. Eu penso que é altura de começar a questionar os subsídios que não tenham uma convincente justificação e tenham sempre em conta as aplicações alternativas. Devíamos instituir uma taxa extra sobre a electricidade. Uma taxa e não um imposto. Seria uma taxa destinada a financiar quem quisesse melhorar o seu desempenho energético, ou seja, penalizar os desperdiçadores para financiar os que quisessem investir para reduzir a sua factura energética. No conjunto dos consumidores o saldo financeiro seria nulo. Isto seria um pouco o que a ERSE já iniciou com o PPEC, mas com outra amplitude e maiores ambições. Com isto também se criavam muitos empregos e se estimulava a produção de novos equipamentos e serviços de qualidade.
As cidades podem ser auto sustentáveis muito em breve?
Em cidades construídas de raiz como sucede actualmente na China será talvez possível aproximarmo-nos desse objectivo. Nas cidades existentes será muito difícil ou mesmo impossível na totalidade muito embora possam fazer-se avanços espectaculares nessa direcção. A produção descentralizada tem enormes vantagens, tanto de energias renováveis como utilizando micro cogeração e trigeração.
Há ainda outro conceito que devemos começar a ter em conta e que é a acumulação descentralizada, que pode vir a dar uma ajuda substancial na regularização do diagrama de cargas eléctricas, o que está estreitamente ligado à generalização das redes inteligentes tornadas possíveis pelos desenvolvimentos da informática e das redes de comunicações, nomeadamente as baseadas em fibra óptica.
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