O milagre das renováveis em Portugal (**)
Por Jorge Pacheco de Oliveira (actualização)
Em Portugal, o contributo relativo das energias renováveis para o consumo bruto de energia eléctrica (produção bruta + saldo importador) revela, estranhamente, dois números possíveis : o valor real e um valor fictício, supostamente oficial, que resulta da correcção do primeiro mediante um critério de conveniência à frente explicitado.
Vejamos os valores que podemos encontrar nos últimos anos, recuando até 2001 :
Em 2008, um contributo real de 27,8 % foi corrigido para 43,3 %.
Em 2007 um contributo real de 31,1 % foi corrigido para 42,7 %.
Em 2006, um contributo real de 30,6 % foi corrigido para 36,0 %.
Em 2005, um contributo real de 16,8 % foi corrigido para 35,9 %.
Em 2004, um contributo real de 25,2 % foi corrigido para 35,3 %.
Em 2003, um contributo real de 37,3 % foi corrigido para 34,6 %.
Em 2002, um contributo real de 21,8 % foi corrigido para 32,3 %.
Em 2001, um contributo real de 35,5 % foi corrigido para 36,2 %.
Em suma, com excepção do ano relativamente longínquo de 2003, os números oficiais têm sido sempre superiores aos números reais, em vários pontos percentuais. Um verdadeiro milagre das renováveis…
Os valores acima indicados foram retirados da página de internet da Direcção Geral de Energia e Geologia (DGEG), encontrando-se num documento em PDF, intitulado “Renováveis - Estatísticas Rápidas - Julho de 2009”, em que a DGEG explica (quase) tudo.
Este documento estatístico não é disponibilizado de uma forma imediata, nem deixa um link acessível. O visitante da página da DGEG tem de seguir as indicações “Estatísticas e Preços”, depois “Energias Renováveis”, depois ainda “Estatísticas Rápidas” e, finalmente, o ficheiro PDF. O mais recente, nesta data, diz respeito a Julho de 2009. (Nota : segundo informação do autor do blog "Ecotretas", a quem aqui se deixa um particular agradecimento, é possível aceder directamente ao documento da DGEG através deste link).
Na pág. 4 deste documento a DGEG diz o seguinte :
A incorporação de FER [Fontes de Energia Renovável] no consumo bruto de energia eléctrica, para efeitos da Directiva*, foi de 43% em 2008. Portugal continua a ser, em 2007, o terceiro país da União Europeia (UE15) com maior incorporação de energias renováveis.
Para “efeitos da Directiva” ! Trata-se da Directiva 2001/77/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Setembro de 2001, relativa à promoção da electricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis no mercado interno da electricidade.
Em pé de página é descodificado o asterisco :
As metas indicativas da Directiva 2001/77/CE são para a parte da electricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis no consumo bruto de electricidade em 2010 (Produção bruta + saldo importador). O cumprimento é calculado assumindo a mesma hidraulicidade do ano base relativamente à qual foi definida a meta (1997), em linha com as declarações no anexo e a posição nacional assumida durante a discussão da Directiva.
Ah, bom ! Os números oficiais são, então, para a União Europeia ver! E, obviamente, para o Governo embandeirar, uma vez que, com a excepção de 2003, as percentagens oficiais do contributo das energias renováveis, “para efeitos da Directiva”, são todas superiores aos valores efectivamente verificados !
Esta discrepância resulta de um critério bizarro que permite a manipulação dos números respeitantes à produção hidroeléctrica. E dizer bizarro já é ser simpático, pois tal critério não merece outra classificação senão a de puro ludíbrio. Mas que favorece as pretensões propagandísticas das autoridades nacionais, lá isso favorece, e bem.
De facto, quem não conhece o engenhoso critério e é confrontado com os números oficialmente anunciados é levado a acreditar que o actual Governo colocou Portugal na “linha da frente” das energias renováveis, um “feito” que o actual Primeiro Ministro não se cansa de referir e que o ex-ministro da Economia repetia com uma cara muito circunspecta, como se se tratasse de uma verdade científica.
A tal ponto a propaganda resultou que é frequente ler-se e ouvir-se elogios ao Governo acerca da política das energias renováveis, mesmo da parte de comentadores fortemente críticos da actual governação.
Como acima se observou, o documento com os valores estatísticos da DGEG não é disponibilizado de uma forma simples, o que leva a crer que pouca gente, para além dos especialistas do sector energético, tenha tido a oportunidade de observar as discrepâncias entre os números reais e os números oficializados. Isto, naturalmente, torna a vida fácil às entidades governamentais, que não se dão sequer ao trabalho de referir que o contributo relativo das energias renováveis, a que frequentemente se referem, não é o valor real, mas sim um número “corrigido” na secretaria.
A controversa correcção consiste em transformar o valor real da produção hidroeléctrica num valor virtual para efeitos de verificação do cumprimento, por parte de Portugal, da Directiva 2001/77/CE.
Na verdade, esta correcção não está prevista no articulado da Directiva, nem é satisfatoriamente justificada na nota de pé de página ao documento estatístico atrás referido, em que a DGEG diz que a correcção está em linha com as declarações no anexo e a posição nacional assumida durante a discussão da Directiva.
Repare-se : Com as declarações no anexo “e” a posição nacional… Acontece que as declarações no Anexo da Directiva traduzem a posição nacional. Aquele “e” significa o quê? Que houve mais alguma coisa dita pelos negociadores nacionais que não consta da Directiva? De concreto, a posição nacional é referida na Nota 4 ao Anexo da Directiva, nos seguintes termos :
(4) Ao tomar em consideração os valores de referência fixados no presente anexo, Portugal declara que, para manter como meta indicativa para 2010 a quota de 1997 de electricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis, presume-se que:
- o plano nacional de electricidade poderá prosseguir a construção de nova capacidade hidroeléctrica superior a 10 MW,
- outro tipo de capacidade renovável, só possível mediante auxílios estatais, venha a aumentar a uma taxa anual oito vezes superior à verificada recentemente. Estas previsões implicam que a nova capacidade de produção de electricidade a partir de fontes de energia renováveis, com exclusão das grandes centrais hidroeléctricas, aumente a uma taxa duas vezes superior à do crescimento do consumo interno bruto de electricidade.
Não há aqui nada que justifique a correcção que tem sido levada à prática pelas entidades oficiais, e que consiste em converter o valor real da produção hidroeléctrica verificado num dado ano, num valor virtual, aquele que se verificaria caso o Índice de Produtibilidade Hidroeléctrica (IPH) desse ano fosse o IPH de 1997, o ano tomado como referência para efeitos da Directiva.
O Índice de Produtibilidade Hidroeléctrica depende da pluviosidade e, portanto, das afluências aos cursos de água em que se situam as centrais hidroeléctricas. O IPH traduz a razão entre dois possíveis valores da produção hidroeléctrica : a produção realizável com as afluências verificadas no ano em apreço (a produção efectiva pode ser concretizada com maior ou menor aproximação) e a produção hipotética que seria realizável com as afluências de um ano considerado médio. O regime hidrológico médio, a que corresponde IPH=1, é definido com base numa série histórica de várias dezenas de anos (actualmente são considerados os últimos quarenta anos).
Sucede que 1997, o ano de referência da Directiva, foi um ano chuvoso em Portugal, com um IPH=1,22. Trata-se de um IPH elevado, sendo pouco provável encontrar muitos anos com um IPH superior. E, de facto, em Portugal, entre 2001 e 2008, apenas em 2003 se verificou um IPH=1,33 superior ao IPH de referência.
Assim, se a produção hidroeléctrica de um dado ano for corrigida, proporcionalmente, para o valor virtual que se observaria caso a pluviosidade e as afluências desse ano fossem as mesmas de 1997, é provável encontrar uma maioria de valores corrigidos superiores aos valores reais, o que permite inflacionar o contributo oficial das energias renováveis no consumo bruto de energia eléctrica do país.
Por exemplo, 2008 foi um ano de fraca pluviosidade, com um IPH de 0,562 e uma produção hidroeléctrica real de 7.102 GWh. Se este valor for multiplicado por 1,22/0,562 obtém-se um valor virtual de 15.406 GWh (mais do dobro!), o que permite refazer os cálculos e transformar o contributo real das renováveis, que foi de 27,8 % , num contributo publicitário de 43,3 %...
Dito isto, justifica-se uma conjectura, respeitante à razão profunda por detrás desta situação.
É verdade que as energias renováveis estão na moda, pelo que qualquer governo que preste muita atenção à imagem, como é notoriamente o caso do actual, se sente na obrigação de apresentar grandes realizações no domínio das renováveis.
Mas existe uma razão subtil. A generalidade das pessoas associa a questão das energias renováveis à problemática do aquecimento global. Poucas se apercebem de que uma coisa não tem a ver com a outra, mas a realidade é que os alarmistas climáticos, auxiliados por um vasto conjunto de instituições internacionais e órgãos de comunicação social dirigidos por simpatizantes da causa, ou simplesmente ignorantes, conseguiram associar, de forma eficaz, as energias renováveis ao aquecimento global.
Como não podia deixar de ser, o elo de ligação entre os dois temas é o vilipendiado dióxido de carbono, um gás com efeito de estufa que é emitido durante a produção de energia através da queima de combustíveis fósseis, mas que será evitado se recorremos às benévolas energias renováveis.
Montado o cenário, basta massacrar os ouvidos do gentil público com o slogan : não aos combustíveis fósseis, sim às energias renováveis. Como se os combustíveis fósseis não tivessem os dias contados e o recurso às energias renováveis não fosse inevitável e, em si mesmo, uma opção com mérito, dispensando a propaganda alarmista do aquecimento global…
Claro que a produção pela via nuclear também não emite dióxido de carbono, mas essa opção costuma ser liminarmente rejeitada porque, em virtude do baixo preço da energia eléctrica assim obtida, muitas das negociatas das energias renováveis ficariam inconvenientemente comprometidas.
Dada esta associação entre o aquecimento global e as energias renováveis, não surpreende que as atoardas dos alarmistas em matéria de alterações climáticas se reflictam nas energias renováveis. Quem mente numa coisa, certamente não hesitará em mentir na outra.
De facto, em Portugal, as energias renováveis têm vindo a ser referidas de uma forma panfletária, susceptível de levantar muitas dúvidas. Sabendo-se que o actual Governo também se declara empenhado no combate às alterações climáticas, não admira que goste de se apresentar como campeão das renováveis. Na verdade, e como se viu, não passa de um campeão na secretaria.
_____________
(**) Este texto actualiza o que foi publicado em 31-08-2009
Em Portugal, o contributo relativo das energias renováveis para o consumo bruto de energia eléctrica (produção bruta + saldo importador) revela, estranhamente, dois números possíveis : o valor real e um valor fictício, supostamente oficial, que resulta da correcção do primeiro mediante um critério de conveniência à frente explicitado.
Vejamos os valores que podemos encontrar nos últimos anos, recuando até 2001 :
Em 2008, um contributo real de 27,8 % foi corrigido para 43,3 %.
Em 2007 um contributo real de 31,1 % foi corrigido para 42,7 %.
Em 2006, um contributo real de 30,6 % foi corrigido para 36,0 %.
Em 2005, um contributo real de 16,8 % foi corrigido para 35,9 %.
Em 2004, um contributo real de 25,2 % foi corrigido para 35,3 %.
Em 2003, um contributo real de 37,3 % foi corrigido para 34,6 %.
Em 2002, um contributo real de 21,8 % foi corrigido para 32,3 %.
Em 2001, um contributo real de 35,5 % foi corrigido para 36,2 %.
Em suma, com excepção do ano relativamente longínquo de 2003, os números oficiais têm sido sempre superiores aos números reais, em vários pontos percentuais. Um verdadeiro milagre das renováveis…
Os valores acima indicados foram retirados da página de internet da Direcção Geral de Energia e Geologia (DGEG), encontrando-se num documento em PDF, intitulado “Renováveis - Estatísticas Rápidas - Julho de 2009”, em que a DGEG explica (quase) tudo.
Este documento estatístico não é disponibilizado de uma forma imediata, nem deixa um link acessível. O visitante da página da DGEG tem de seguir as indicações “Estatísticas e Preços”, depois “Energias Renováveis”, depois ainda “Estatísticas Rápidas” e, finalmente, o ficheiro PDF. O mais recente, nesta data, diz respeito a Julho de 2009. (Nota : segundo informação do autor do blog "Ecotretas", a quem aqui se deixa um particular agradecimento, é possível aceder directamente ao documento da DGEG através deste link).
Na pág. 4 deste documento a DGEG diz o seguinte :
A incorporação de FER [Fontes de Energia Renovável] no consumo bruto de energia eléctrica, para efeitos da Directiva*, foi de 43% em 2008. Portugal continua a ser, em 2007, o terceiro país da União Europeia (UE15) com maior incorporação de energias renováveis.
Para “efeitos da Directiva” ! Trata-se da Directiva 2001/77/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Setembro de 2001, relativa à promoção da electricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis no mercado interno da electricidade.
Em pé de página é descodificado o asterisco :
As metas indicativas da Directiva 2001/77/CE são para a parte da electricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis no consumo bruto de electricidade em 2010 (Produção bruta + saldo importador). O cumprimento é calculado assumindo a mesma hidraulicidade do ano base relativamente à qual foi definida a meta (1997), em linha com as declarações no anexo e a posição nacional assumida durante a discussão da Directiva.
Ah, bom ! Os números oficiais são, então, para a União Europeia ver! E, obviamente, para o Governo embandeirar, uma vez que, com a excepção de 2003, as percentagens oficiais do contributo das energias renováveis, “para efeitos da Directiva”, são todas superiores aos valores efectivamente verificados !
Esta discrepância resulta de um critério bizarro que permite a manipulação dos números respeitantes à produção hidroeléctrica. E dizer bizarro já é ser simpático, pois tal critério não merece outra classificação senão a de puro ludíbrio. Mas que favorece as pretensões propagandísticas das autoridades nacionais, lá isso favorece, e bem.
De facto, quem não conhece o engenhoso critério e é confrontado com os números oficialmente anunciados é levado a acreditar que o actual Governo colocou Portugal na “linha da frente” das energias renováveis, um “feito” que o actual Primeiro Ministro não se cansa de referir e que o ex-ministro da Economia repetia com uma cara muito circunspecta, como se se tratasse de uma verdade científica.
A tal ponto a propaganda resultou que é frequente ler-se e ouvir-se elogios ao Governo acerca da política das energias renováveis, mesmo da parte de comentadores fortemente críticos da actual governação.
Como acima se observou, o documento com os valores estatísticos da DGEG não é disponibilizado de uma forma simples, o que leva a crer que pouca gente, para além dos especialistas do sector energético, tenha tido a oportunidade de observar as discrepâncias entre os números reais e os números oficializados. Isto, naturalmente, torna a vida fácil às entidades governamentais, que não se dão sequer ao trabalho de referir que o contributo relativo das energias renováveis, a que frequentemente se referem, não é o valor real, mas sim um número “corrigido” na secretaria.
A controversa correcção consiste em transformar o valor real da produção hidroeléctrica num valor virtual para efeitos de verificação do cumprimento, por parte de Portugal, da Directiva 2001/77/CE.
Na verdade, esta correcção não está prevista no articulado da Directiva, nem é satisfatoriamente justificada na nota de pé de página ao documento estatístico atrás referido, em que a DGEG diz que a correcção está em linha com as declarações no anexo e a posição nacional assumida durante a discussão da Directiva.
Repare-se : Com as declarações no anexo “e” a posição nacional… Acontece que as declarações no Anexo da Directiva traduzem a posição nacional. Aquele “e” significa o quê? Que houve mais alguma coisa dita pelos negociadores nacionais que não consta da Directiva? De concreto, a posição nacional é referida na Nota 4 ao Anexo da Directiva, nos seguintes termos :
(4) Ao tomar em consideração os valores de referência fixados no presente anexo, Portugal declara que, para manter como meta indicativa para 2010 a quota de 1997 de electricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis, presume-se que:
- o plano nacional de electricidade poderá prosseguir a construção de nova capacidade hidroeléctrica superior a 10 MW,
- outro tipo de capacidade renovável, só possível mediante auxílios estatais, venha a aumentar a uma taxa anual oito vezes superior à verificada recentemente. Estas previsões implicam que a nova capacidade de produção de electricidade a partir de fontes de energia renováveis, com exclusão das grandes centrais hidroeléctricas, aumente a uma taxa duas vezes superior à do crescimento do consumo interno bruto de electricidade.
Não há aqui nada que justifique a correcção que tem sido levada à prática pelas entidades oficiais, e que consiste em converter o valor real da produção hidroeléctrica verificado num dado ano, num valor virtual, aquele que se verificaria caso o Índice de Produtibilidade Hidroeléctrica (IPH) desse ano fosse o IPH de 1997, o ano tomado como referência para efeitos da Directiva.
O Índice de Produtibilidade Hidroeléctrica depende da pluviosidade e, portanto, das afluências aos cursos de água em que se situam as centrais hidroeléctricas. O IPH traduz a razão entre dois possíveis valores da produção hidroeléctrica : a produção realizável com as afluências verificadas no ano em apreço (a produção efectiva pode ser concretizada com maior ou menor aproximação) e a produção hipotética que seria realizável com as afluências de um ano considerado médio. O regime hidrológico médio, a que corresponde IPH=1, é definido com base numa série histórica de várias dezenas de anos (actualmente são considerados os últimos quarenta anos).
Sucede que 1997, o ano de referência da Directiva, foi um ano chuvoso em Portugal, com um IPH=1,22. Trata-se de um IPH elevado, sendo pouco provável encontrar muitos anos com um IPH superior. E, de facto, em Portugal, entre 2001 e 2008, apenas em 2003 se verificou um IPH=1,33 superior ao IPH de referência.
Assim, se a produção hidroeléctrica de um dado ano for corrigida, proporcionalmente, para o valor virtual que se observaria caso a pluviosidade e as afluências desse ano fossem as mesmas de 1997, é provável encontrar uma maioria de valores corrigidos superiores aos valores reais, o que permite inflacionar o contributo oficial das energias renováveis no consumo bruto de energia eléctrica do país.
Por exemplo, 2008 foi um ano de fraca pluviosidade, com um IPH de 0,562 e uma produção hidroeléctrica real de 7.102 GWh. Se este valor for multiplicado por 1,22/0,562 obtém-se um valor virtual de 15.406 GWh (mais do dobro!), o que permite refazer os cálculos e transformar o contributo real das renováveis, que foi de 27,8 % , num contributo publicitário de 43,3 %...
Dito isto, justifica-se uma conjectura, respeitante à razão profunda por detrás desta situação.
É verdade que as energias renováveis estão na moda, pelo que qualquer governo que preste muita atenção à imagem, como é notoriamente o caso do actual, se sente na obrigação de apresentar grandes realizações no domínio das renováveis.
Mas existe uma razão subtil. A generalidade das pessoas associa a questão das energias renováveis à problemática do aquecimento global. Poucas se apercebem de que uma coisa não tem a ver com a outra, mas a realidade é que os alarmistas climáticos, auxiliados por um vasto conjunto de instituições internacionais e órgãos de comunicação social dirigidos por simpatizantes da causa, ou simplesmente ignorantes, conseguiram associar, de forma eficaz, as energias renováveis ao aquecimento global.
Como não podia deixar de ser, o elo de ligação entre os dois temas é o vilipendiado dióxido de carbono, um gás com efeito de estufa que é emitido durante a produção de energia através da queima de combustíveis fósseis, mas que será evitado se recorremos às benévolas energias renováveis.
Montado o cenário, basta massacrar os ouvidos do gentil público com o slogan : não aos combustíveis fósseis, sim às energias renováveis. Como se os combustíveis fósseis não tivessem os dias contados e o recurso às energias renováveis não fosse inevitável e, em si mesmo, uma opção com mérito, dispensando a propaganda alarmista do aquecimento global…
Claro que a produção pela via nuclear também não emite dióxido de carbono, mas essa opção costuma ser liminarmente rejeitada porque, em virtude do baixo preço da energia eléctrica assim obtida, muitas das negociatas das energias renováveis ficariam inconvenientemente comprometidas.
Dada esta associação entre o aquecimento global e as energias renováveis, não surpreende que as atoardas dos alarmistas em matéria de alterações climáticas se reflictam nas energias renováveis. Quem mente numa coisa, certamente não hesitará em mentir na outra.
De facto, em Portugal, as energias renováveis têm vindo a ser referidas de uma forma panfletária, susceptível de levantar muitas dúvidas. Sabendo-se que o actual Governo também se declara empenhado no combate às alterações climáticas, não admira que goste de se apresentar como campeão das renováveis. Na verdade, e como se viu, não passa de um campeão na secretaria.
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(**) Este texto actualiza o que foi publicado em 31-08-2009
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