Taco de hóquei
No blogue “De Rerum Natura”, o Prof. Jorge Buescu publicou a nota Uma tacada forte em mentiras convenientes sobre o caso do “Hockey stick”. Explicita com referências justas o processo que começou a ser referido no Mitos Climáticos em Setembro de 2005.
O Prof. Jorge Buescu é um distinto colaborador da revista Ingenium, publicação da Ordem dos Engenheiros. Os seus artigos são elogiados pela generalidade dos membros. É licenciado em Física (FCL), doutorado em Matemática (Universidade de Warwick) e professor de Matemática (IST e FCL).
Com o conhecimento do autor, reproduzimos na íntegra a sua nota. Impressiona a sua coragem alicerçada em fundamentos sólidos, como poucas vezes se vê em Portugal, criticando o alarmismo climático generalizado.
«O gráfico acima [Fig. 84] é o famoso “Hockey Stick”, a que me referirei por “Taco de Hóquei”. Trata-se do gráfico das temperaturas globais da Terra nos últimos mil anos (mais ou menos uns). Foi publicado na Nature, em 1998, no artigo Global-scale temperature patterns and climate forcing over the past six centuries, da autoria de uma equipa da Universidade da Virgínia liderada por Michael Mann. E é dramático: mostra que a temperatura global da Terra teria sido estável durante 900 anos, subindo assustadoramente nos últimos 100 anos. O gráfico ficou conhecido como “Hockey Stick” porque parece um taco de hóquei deitado: um longo cabo horizontal e uma lâmina quase vertical.
O Taco de Hóquei ficou famoso, figurando em lugar de destaque no 3.º relatório do IPCC em 2001, e tornou-se no ícone do alarmismo sobre o aquecimento global. Não houve revista ou jornal que não o reproduzisse, com avisos apocalípticos de que o Fim está próximo. Al Gore utilizou-o (convenientemente despido das barras de erro) na sua campanha presidencial de 2000, e continua a utilizá-lo de acordo com a verdade que lhe é conveniente, e que talvez o conduza à Casa Branca em 2008. É difícil exagerar a importância mediática do Taco de Hóquei.
Mas o Taco de Hóquei tem um problema científico fundamental. Está errado.
Para começar, o Taco de Hóquei nega factos climatológicos há muito estabelecidos: o Período Quente Medieval (c.1000 – c. 1400) e a Pequena Idade do Gelo (c.1500 - c. 1850), que o próprio IPCC afirmava existirem no seu relatório anterior (1995). O Taco de Hóquei nega estas alterações climáticas globais: o cabo é horizontal. Aceitar o Taco de Hóquei implica realizar um revisionismo completo sobre a história climatológica do planeta Terra! Seria razão para pôr um pé atrás, ou mesmo os dois.
Muitas pessoas acharam o assunto estranho. Dois canadianos, o matemático Steven McIntyre e o professor de Economia Ross McKitrick (conhecidos em conjunto por M&M) fizeram mais: decidiram investigar. E pediram os dados a Mann para fazerem as contas. O grupo de Mann começou por não dar acesso aos dados (contrariando a praxis científica da confirmação independente!). Mas M&M não desistiram. Eis as suas conclusões, depois de muitos obstáculos e vários anos de trabalho:
“A Nature nunca verificou se os dados originais estavam correctamente listados: sucede que não estavam. A Nature nunca verificou se eram seguidas regras de arquivamento de dados: não eram. A Nature nunca verificou se os métodos estavam correctamente descritos; não estavam. A Nature nunca verificou que os métodos indicados davam os resultados indicados: não davam. A Nature levou a cabo apenas correcções mínimas ao seu registo de publicações após ser notificada destes factos, e permitiu que os autores reclamassem, falsamente, que as suas omissões não afectavam os resultados publicados. A utilização do Taco de Hóquei pelo IPCC não foi incidental: ele figura em destaque no relatório de 2001. No entanto, nunca o IPCC o submeteu a verificação independente.”
Provavelmente, para este último acontecimento pode ter ajudado o facto de Mann ser o principal responsável científico pelo relatório do IPCC de 2001. Mas as conclusões de M&M, apresentadas em vários artigos científicos (o mais conhecido é Hockey sticks, principal components and spurious significance, em Geophysical Research Letters), foram radicais. A técnica matemática utilizada (análise de componentes principais) conduzia ao seguinte resultado: a primeira componente principal (aquela que é visível nos gráficos sem barras de erro) tem sempre a forma de taco de hóquei quaisquer que sejam os dados de entrada. Ou seja, quaisquer que fossem as temperaturas na base de dados de Mann à entrada, ele veria sempre um Taco de Hóquei à saída. Em resumo, o Taco de Hóquei era um artefacto dos métodos errados de análise, e não uma realidade. Estava no domínio do dogma religioso, não da realidade científica.
Os trabalhos de M&M levaram a um relatório independente da Academia Nacional das Ciências (NAS) norte-americana de 2006, que de forma muito diplomática afirma que o Taco de Hóquei está errado: "The reconstruction produced by Dr. Mann and his colleagues was just one step in a longer process of research, and it is not (as sometimes presented) a clinching argument for anthropogenic global warming, but rather one of many independent lines of research on global climate change". Este relatório de uma Comissão ad-hoc é de confiança e também esclarecedor.
Numa última ironia do destino, não só a Nature (que sai muito mal na fotografia) não reconhece ainda o erro, como Mann publicou uma letter to Nature em 2006 afirmando que "more widespread high-resolution data are needed before more confident conclusions can be reached and that the uncertainties were the point of the article". Vindo do principal responsável científico do 3.º relatório do IPCC, que elevou o Taco de Hóquei ao estatuto de dogma, são afirmações no mínimo curiosas.
Dois comentários. O primeiro é que, ao contrário do que a agenda dos media e de alguns políticos pretende fazer crer, é falso que exista consenso científico sobre o aquecimento global, tal como ele é vendido no jornal sensacionalista mais próximo de si. É um facto que a Terra está, em média, a aquecer desde meados do século XIX. Afinal, foi quando saiu da Pequena Idade do Gelo, e portanto está (inevitavelmente!) em moderado aquecimento global desde então. Isto é tão surpreendente como afirmar que, se retirarmos gelo do congelador, ele aquece. Mas este aquecimento nem sequer é constante: entre 1940 e 1975 houve uma marcada diminuição de temperaturas globais – de tal modo que nos anos 70 uma das grandes preocupações climáticas era com uma possível “Idade do Gelo” – com o arrefecimento global, não com o aquecimento. Quem tem mais de 40 anos talvez se lembre.
O segundo é que não existe consenso científico sobre uma relação de causalidade entre libertação de gases com efeito de estufa e o aquecimento global. Há anualmente centenas de artigos publicados em ambos os sentidos. O que se sabe é que existe correlação: quando a Terra aquece, aumenta o CO2. Isso aconteceu, por exemplo, no Período Quente Medieval (como se sabe por análise dos anéis das árvores), e aí não foi por intervenção humana. Um mecanismo conhecido é a expansão térmica da água dos oceanos, que provoca a libertação de CO2 dissolvido. O aquecimento global provoca assim a libertação não-antropogénica de CO2. O que se pode afirmar é que existe correlação, mas não necessariamente causalidade, entre os dois acontecimentos. E está muito longe de existir consenso científico. Pelo contrário: as dúvidas hoje, em 2007, são muito maiores do que há 10 anos, quando se assinou Kyoto.
Eu acho muito suspeito quando o meu barbeiro (pessoa de resto muito estimável) acha que compreende melhor do que eu um problema científico. A certeza incrustada na mente popular que nos é distribuída com o jornal gratuito, servida no noticiário, ou vendida no filme-catástrofe mais recente, é que a “Ciência provou” que o CO2 provoca o aquecimento global.
Isto não é verdade. Não é sequer verdade que haja consenso entre os cientistas. Mas pelos vistos um Taco de Hóquei não chega. Existirão tacos de hóquei nos relatórios do IPCC de 2007? Veremos.»
De facto, o IPCC não o publicou no Summary for Policymakers, de Fevereiro de 2007.
O Prof. Jorge Buescu é um distinto colaborador da revista Ingenium, publicação da Ordem dos Engenheiros. Os seus artigos são elogiados pela generalidade dos membros. É licenciado em Física (FCL), doutorado em Matemática (Universidade de Warwick) e professor de Matemática (IST e FCL).
Com o conhecimento do autor, reproduzimos na íntegra a sua nota. Impressiona a sua coragem alicerçada em fundamentos sólidos, como poucas vezes se vê em Portugal, criticando o alarmismo climático generalizado.
«O gráfico acima [Fig. 84] é o famoso “Hockey Stick”, a que me referirei por “Taco de Hóquei”. Trata-se do gráfico das temperaturas globais da Terra nos últimos mil anos (mais ou menos uns). Foi publicado na Nature, em 1998, no artigo Global-scale temperature patterns and climate forcing over the past six centuries, da autoria de uma equipa da Universidade da Virgínia liderada por Michael Mann. E é dramático: mostra que a temperatura global da Terra teria sido estável durante 900 anos, subindo assustadoramente nos últimos 100 anos. O gráfico ficou conhecido como “Hockey Stick” porque parece um taco de hóquei deitado: um longo cabo horizontal e uma lâmina quase vertical.
O Taco de Hóquei ficou famoso, figurando em lugar de destaque no 3.º relatório do IPCC em 2001, e tornou-se no ícone do alarmismo sobre o aquecimento global. Não houve revista ou jornal que não o reproduzisse, com avisos apocalípticos de que o Fim está próximo. Al Gore utilizou-o (convenientemente despido das barras de erro) na sua campanha presidencial de 2000, e continua a utilizá-lo de acordo com a verdade que lhe é conveniente, e que talvez o conduza à Casa Branca em 2008. É difícil exagerar a importância mediática do Taco de Hóquei.
Mas o Taco de Hóquei tem um problema científico fundamental. Está errado.
Para começar, o Taco de Hóquei nega factos climatológicos há muito estabelecidos: o Período Quente Medieval (c.1000 – c. 1400) e a Pequena Idade do Gelo (c.1500 - c. 1850), que o próprio IPCC afirmava existirem no seu relatório anterior (1995). O Taco de Hóquei nega estas alterações climáticas globais: o cabo é horizontal. Aceitar o Taco de Hóquei implica realizar um revisionismo completo sobre a história climatológica do planeta Terra! Seria razão para pôr um pé atrás, ou mesmo os dois.
Muitas pessoas acharam o assunto estranho. Dois canadianos, o matemático Steven McIntyre e o professor de Economia Ross McKitrick (conhecidos em conjunto por M&M) fizeram mais: decidiram investigar. E pediram os dados a Mann para fazerem as contas. O grupo de Mann começou por não dar acesso aos dados (contrariando a praxis científica da confirmação independente!). Mas M&M não desistiram. Eis as suas conclusões, depois de muitos obstáculos e vários anos de trabalho:
“A Nature nunca verificou se os dados originais estavam correctamente listados: sucede que não estavam. A Nature nunca verificou se eram seguidas regras de arquivamento de dados: não eram. A Nature nunca verificou se os métodos estavam correctamente descritos; não estavam. A Nature nunca verificou que os métodos indicados davam os resultados indicados: não davam. A Nature levou a cabo apenas correcções mínimas ao seu registo de publicações após ser notificada destes factos, e permitiu que os autores reclamassem, falsamente, que as suas omissões não afectavam os resultados publicados. A utilização do Taco de Hóquei pelo IPCC não foi incidental: ele figura em destaque no relatório de 2001. No entanto, nunca o IPCC o submeteu a verificação independente.”
Provavelmente, para este último acontecimento pode ter ajudado o facto de Mann ser o principal responsável científico pelo relatório do IPCC de 2001. Mas as conclusões de M&M, apresentadas em vários artigos científicos (o mais conhecido é Hockey sticks, principal components and spurious significance, em Geophysical Research Letters), foram radicais. A técnica matemática utilizada (análise de componentes principais) conduzia ao seguinte resultado: a primeira componente principal (aquela que é visível nos gráficos sem barras de erro) tem sempre a forma de taco de hóquei quaisquer que sejam os dados de entrada. Ou seja, quaisquer que fossem as temperaturas na base de dados de Mann à entrada, ele veria sempre um Taco de Hóquei à saída. Em resumo, o Taco de Hóquei era um artefacto dos métodos errados de análise, e não uma realidade. Estava no domínio do dogma religioso, não da realidade científica.
Os trabalhos de M&M levaram a um relatório independente da Academia Nacional das Ciências (NAS) norte-americana de 2006, que de forma muito diplomática afirma que o Taco de Hóquei está errado: "The reconstruction produced by Dr. Mann and his colleagues was just one step in a longer process of research, and it is not (as sometimes presented) a clinching argument for anthropogenic global warming, but rather one of many independent lines of research on global climate change". Este relatório de uma Comissão ad-hoc é de confiança e também esclarecedor.
Numa última ironia do destino, não só a Nature (que sai muito mal na fotografia) não reconhece ainda o erro, como Mann publicou uma letter to Nature em 2006 afirmando que "more widespread high-resolution data are needed before more confident conclusions can be reached and that the uncertainties were the point of the article". Vindo do principal responsável científico do 3.º relatório do IPCC, que elevou o Taco de Hóquei ao estatuto de dogma, são afirmações no mínimo curiosas.
Dois comentários. O primeiro é que, ao contrário do que a agenda dos media e de alguns políticos pretende fazer crer, é falso que exista consenso científico sobre o aquecimento global, tal como ele é vendido no jornal sensacionalista mais próximo de si. É um facto que a Terra está, em média, a aquecer desde meados do século XIX. Afinal, foi quando saiu da Pequena Idade do Gelo, e portanto está (inevitavelmente!) em moderado aquecimento global desde então. Isto é tão surpreendente como afirmar que, se retirarmos gelo do congelador, ele aquece. Mas este aquecimento nem sequer é constante: entre 1940 e 1975 houve uma marcada diminuição de temperaturas globais – de tal modo que nos anos 70 uma das grandes preocupações climáticas era com uma possível “Idade do Gelo” – com o arrefecimento global, não com o aquecimento. Quem tem mais de 40 anos talvez se lembre.
O segundo é que não existe consenso científico sobre uma relação de causalidade entre libertação de gases com efeito de estufa e o aquecimento global. Há anualmente centenas de artigos publicados em ambos os sentidos. O que se sabe é que existe correlação: quando a Terra aquece, aumenta o CO2. Isso aconteceu, por exemplo, no Período Quente Medieval (como se sabe por análise dos anéis das árvores), e aí não foi por intervenção humana. Um mecanismo conhecido é a expansão térmica da água dos oceanos, que provoca a libertação de CO2 dissolvido. O aquecimento global provoca assim a libertação não-antropogénica de CO2. O que se pode afirmar é que existe correlação, mas não necessariamente causalidade, entre os dois acontecimentos. E está muito longe de existir consenso científico. Pelo contrário: as dúvidas hoje, em 2007, são muito maiores do que há 10 anos, quando se assinou Kyoto.
Eu acho muito suspeito quando o meu barbeiro (pessoa de resto muito estimável) acha que compreende melhor do que eu um problema científico. A certeza incrustada na mente popular que nos é distribuída com o jornal gratuito, servida no noticiário, ou vendida no filme-catástrofe mais recente, é que a “Ciência provou” que o CO2 provoca o aquecimento global.
Isto não é verdade. Não é sequer verdade que haja consenso entre os cientistas. Mas pelos vistos um Taco de Hóquei não chega. Existirão tacos de hóquei nos relatórios do IPCC de 2007? Veremos.»
De facto, o IPCC não o publicou no Summary for Policymakers, de Fevereiro de 2007.
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