Notável entrevista
[Transcrição integral da entrevista publicada no Expresso on-line]
[Fotografia] João Corte-Real, professor catedrático de meteorologia da Universidade de Évora
"Não estamos à beira de qualquer catástrofe"
João Corte-Real, 65 anos, o mais antigo investigador português do clima e o único professor catedrático em meteorologia do país (Universidade de Évora), afirma que os estudos científicos não permitem ainda concluir que a actividade humana é a principal responsável pelas alterações climáticas. E sublinha que o movimento contra o aquecimento global é politicamente orientado, tanto em Portugal como no resto do mundo. Mas acha positivas as medidas tomadas pelos governos para reduzir as emissões de dióxido de carbono, embora sublinhe que "o CO2 não é um gás poluente, porque é fundamental na fotossíntese, só que em excesso afecta a radiação infravermelha que a Terra recebe, isto é, o aquecimento à superfície".
Virgílio Azevedo [entrevistador]
P - Estamos à beira de uma catástrofe nas alterações climáticas?
R - Acho que não vai haver qualquer catástrofe, e se estivermos, de facto, a viver uma alteração climática à escala planetária, que vai certamente bulir com os nossos hábitos e com muitas das nossas actividades, saberemos encontrar soluções para enfrentar essa situação. Falar em catástrofe não é científico, não é humano, é uma forma primitiva de apresentar as questões.
P - Porquê?
R - O clima não é uma constante, é por natureza variável, e o planeta Terra já foi sujeito a alterações climáticas no passado, para climas mais quentes e mais frios, e nunca houve um fenómeno catastrófico. Agora, muitos dos acontecimentos dramáticos que hoje observamos resultam ou de incúria ou de falta de adaptação a essas situações. Por exemplo, estamos a viver de novo cheias em Moçambique e mais uma vez as populações estão a ser sujeitas a fenómenos desastrosos para a sua vida pessoal, mas a verdade é que estas cheias são previsíveis e não há nenhuma medida muito visível para proteger as populações, que continuam a viver nos mesmos locais, com os mesmos hábitos.
P - Ou seja, não foram tomadas medidas de adaptação...
R - Exactamente. Temos de nos adaptar ao tempo que enfrentamos e tomar medidas eficazes. Só que estas medidas podem ser dispendiosas e os governos, como os fenómenos não acontecem todos os anos, vão esquecendo essas medidas ou têm dificuldades financeiras e, portanto, vão adiando a solução.
P - Os dados sobre o clima são fiáveis?
R - Há resultados de observações que apontam para uma alteração do clima e eu não os vou pôr em causa. O que ainda é discutível é se o homem é o principal responsável por essa mudança, isto é, não há certezas em relação às causas principais do fenómeno.
P - Portanto, aposta mais em medidas adaptativas do que em medidas para contrariar o aquecimento global...
R - Há aqui dois aspectos a considerar. Um é o tempo. A atmosfera tem comportamentos previsíveis com uma certa antecedência, que estão bem compreendidos, e aí julgo que os governos podem actuar sem grandes dúvidas. O caso das cheias em Moçambique. Em relação ao clima, como este é o apuramento estatístico de um certo período temporal – de 30 anos, no mínimo -, aí não temos ainda previsões.
P - E a actuação dos governos?
R - Tem de ser de um tipo diferente. O que dispomos em relação ao futuro são apenas cenários. Uma boa parte dos governos do planeta acredita que estamos a viver uma alteração climática que se vai acentuar, e que a causa é o lançamento para a atmosfera de gases ditos com efeito de estufa. Por isso, as medidas já tomadas apontam no sentido de diminuir as emissões e de desenvolver novas formas de produção de energia, já que as formas habituais lançam esses gases. Estas são medidas que os governos podem e devem tomar.
P - Porquê?
R - Não temos a certeza se é essa a principal causa das alterações climáticas. Mas é sempre positivo desenvolver formas de energia mais eficientes e que castiguem menos o ambiente.
P - Então defende uma alteração de prioridades, em que as medidas de adaptação passem a ser mais importantes?
R - Em relação aos fenómenos de tempo tem de haver medidas de curto prazo. Quanto ao clima, as medidas adaptativas devem também existir, nomeadamente no desenvolvimento de novas energias. Mas não apenas nisso, porque o homem está a perturbar o ambiente com incêndios florestais numa escala bastante apreciável, com formas de utilização do solo não adequadas à região em que se inserem e às alterações climáticas que já estamos a viver e, por consequência, há um certo número de actividades humanas que deveriam ser revistas e até evitadas. Portanto, não é apenas a redução das emissões de gases que interessa. Se alteramos o revestimento e o uso do solo estamos a mudar o albedo planetário, isto é, o coeficiente de reflexão para a radiação solar. E o albedo é um factor climático muito importante. Ou seja, devíamos olhar para as alterações climáticas de uma forma integrada.
P - Será possível prever um dia o clima?
R - Sim, com os desenvolvimentos tecnológicos, quer nas observações quer no cálculo científico, tal como hoje temos previsões do tempo. Agora, os actuais modelos de clima terão de ser muito melhorados em certos aspectos.
P - Em quais?
R - Repare que os actuais modelos estão a ser forçados para aquecer e, por consequência, se os processos naturais que podem contrariar o aquecimento estiverem mal representados nos modelos, obviamente que eles vão dar aumentos de temperatura que não se vão observar. É essa uma das razões por que prestigiados cientistas como Richard Lindzen, professor de meteorologia do MIT, não acreditam na corrente de pensamento dominante. Ele argumenta, e com razão, que o papel das nuvens, que é fundamental, está pessimamente representado nos modelos de clima existentes. E, de facto, estes modelos são ainda muito limitados – apesar de terem evoluído de uma forma fantástica - porque os processos ligados ao clima são muito complexos. Não é fácil estar a entender e a modelar estes processos.
P - Ainda não há uma Teoria do Clima?
R - Não, e é esse o problema. Enquanto nos limitarmos a utilizar estatisticamente resultados de modelos imperfeitos, as coisas não vão avançar muito. Mas os cientistas que usam métodos estatísticos quer para tratar observações quer para tratar de resultados de modelos não são para descredibilizar. Há muitas incertezas ligadas a esta problemática. Temos de investigar mais, de melhorar mais os modelos e de procurar entender os processos.
P - As conclusões do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) da ONU são credíveis?
R - O IPCC é formado por um conjunto de pessoas que vão traduzir o trabalho da comunidade científica. São pessoas credíveis, agora não podemos esquecer que o Painel é politicamente orientado, as suas conclusões não são puramente científicas. E são apresentadas em termos probabilísticos, porque o IPCC toma as suas precauções na forma como fala. Mas também reconheço que muitas das pessoas que, em Portugal e fora do país, estão ligadas a esta problemática das alterações climáticas não são cientistas do clima.
P - Então por que estão eles envolvidos no processo?
R - Por causa da tal orientação política e porque as novas formas de produção de energia, justificadas pela necessidade de reduzir as emissões, envolvem interesses económico-financeiros, tal como as energias fósseis. Em Portugal há uma dezena de cientistas ligados ao clima que está fora de todo o processo nacional e internacional de preparação de medidas para enfrentar as alterações climáticas. A composição da delegação portuguesa na Cimeira de Bali é um bom exemplo desta realidade.
P - Há outros riscos ambientais que não estão relacionados com as alterações climáticas?
R - Sim, e é preciso estudar estes riscos e compará-los com os outros. Riscos ligados ao clima são riscos de emissões, de aumento de concentração de gases - que não são poluentes, porque o CO2 é um gás fundamental na fotossíntese, mas em excesso afecta a radiação infravermelha que a Terra recebe, isto é, o aquecimento à superfície. Mas há outros riscos ligados à energia nuclear, à produção artificial de alimentos, aos transgénicos, que podem ser superiores ou não - é preciso avaliar isso - aos riscos ligados à alteração do clima. As alterações climáticas vão ter impactos adversos na agricultura, na saúde, no turismo, na energia, nos recursos hídricos, etc., mas há outras actividades humanas que também têm impacto nos mesmos sectores.
P - E quanto aos fenómenos naturais?
R - Olhe, em 2007/2008 temos um bom exemplo: estamos a viver um fenómeno que começa no hemisfério Sul, o La Niña (o oposto do famoso El Niño), bastante intenso, que provocou anomalias em várias regiões do globo. Quando há um El Niño há um aquecimento global da troposfera. Acredita-se que foi devido ao La Niña que o último Verão foi fresco e chuvoso, por exemplo. O instituto meteorológico do Reino Unido já veio dizer que 2008 vai ser provavelmente o ano mais frio depois de 2000 por causa do La Niña. Isto justifica os fenómenos extremos que se têm registado no mundo, sobretudo na América do Sul. Esses fenómenos são preditíveis, as suas consequências são conhecidas e pode haver, por isso, uma intervenção humana para os mitigar.
P - O clima na Europa está mais quente?
R - Um trabalho de investigação feito pelo investigador João Santos, da Universidade de Évora, no âmbito do projecto europeu MICE (Impactos Extremos de Clima na Europa) conclui que sobre a Europa, quer na temperatura mínima quer na máxima, o número de episódios frios (em que as temperaturas mínima e máxima estiveram abaixo da média) diminuiu entre 1961 e 1990, e o número de episódios quentes aumentou. Mas esse aumento não foi uniforme, deu-se sobretudo numa parte da Europa do Norte e no Mediterrâneo Ocidental. Quando se fala em aquecimento global, não quer dizer que ele se dê em todos os lados e em todos os locais. Quer antes dizer que o positivo dominou o negativo na evolução das temperaturas. João Santos verificou também que a grande responsabilidade destas distribuições de temperaturas no período de referência (estamos a falar em dados reais e não em cenários) é devida à Oscilação do Atlântico Norte (NAO). Registaram-se anomalias aquecimentos nuns lados, arrefecimentos nos outros - porque houve uma predominância da fase positiva da NAO em 1961-1990. Isto significa que não nos temos que reportar necessariamente a alterações climáticas.
P - Além do NAO, há outros exemplos?
R - Há também a chamada Oscilação Decadal do Pacífico, de baixa frequência, que acontece de 10 em 10 anos, que é referida por um cientista brasileiro que também não acredita nada no aquecimento global, Luís Carlos Molion, da Universidade de Alagoas, em Maceió. Segundo ele, o clima global é muito condicionado por esta oscilação na temperatura das águas do Pacífico (que sobe ou desce). E constata que esta oscilação está a caminhar para a sua fase negativa, o que significa que a partir de 2012-2015 vamos começar a ver as temperaturas na atmosfera a descer. Eu não sei se ele tem razão ou não, mas o que de facto sabemos é que quando determinadas oscilações estatísticas persistem, vão criar anomalias de tempo, de temperatura. Se existirem oscilações de grande período (de baixa frequência), podemos estar a sentir uma subida de temperatura e julgar que é uma tendência, quando na verdade não é.
P - E como pode a ciência explicar estas diferenças?
R - A atmosfera tem de obedecer às leis da Física, que obrigam a certos balanços de massa, de energia, de momento angular, etc. A circulação da atmosfera tem de ser feita para satisfazer esses balanços globais. Quando as temperaturas excedem um limiar, a atmosfera desestabiliza-se e criam-se perturbações (as frontais, as frentes) que acabam com a instabilidade. Portanto, podem acontecer ciclones tropicais para redistribui energia e momento angular. E isso pode explicar muita coisa, não é preciso pensar só em alterações climáticas.
Versão integral da entrevista publicada na edição do Expresso de 9 de Fevereiro de 2008, 1.º Caderno, páginas 30 e 31.
[Fotografia] João Corte-Real, professor catedrático de meteorologia da Universidade de Évora
"Não estamos à beira de qualquer catástrofe"
João Corte-Real, 65 anos, o mais antigo investigador português do clima e o único professor catedrático em meteorologia do país (Universidade de Évora), afirma que os estudos científicos não permitem ainda concluir que a actividade humana é a principal responsável pelas alterações climáticas. E sublinha que o movimento contra o aquecimento global é politicamente orientado, tanto em Portugal como no resto do mundo. Mas acha positivas as medidas tomadas pelos governos para reduzir as emissões de dióxido de carbono, embora sublinhe que "o CO2 não é um gás poluente, porque é fundamental na fotossíntese, só que em excesso afecta a radiação infravermelha que a Terra recebe, isto é, o aquecimento à superfície".
Virgílio Azevedo [entrevistador]
P - Estamos à beira de uma catástrofe nas alterações climáticas?
R - Acho que não vai haver qualquer catástrofe, e se estivermos, de facto, a viver uma alteração climática à escala planetária, que vai certamente bulir com os nossos hábitos e com muitas das nossas actividades, saberemos encontrar soluções para enfrentar essa situação. Falar em catástrofe não é científico, não é humano, é uma forma primitiva de apresentar as questões.
P - Porquê?
R - O clima não é uma constante, é por natureza variável, e o planeta Terra já foi sujeito a alterações climáticas no passado, para climas mais quentes e mais frios, e nunca houve um fenómeno catastrófico. Agora, muitos dos acontecimentos dramáticos que hoje observamos resultam ou de incúria ou de falta de adaptação a essas situações. Por exemplo, estamos a viver de novo cheias em Moçambique e mais uma vez as populações estão a ser sujeitas a fenómenos desastrosos para a sua vida pessoal, mas a verdade é que estas cheias são previsíveis e não há nenhuma medida muito visível para proteger as populações, que continuam a viver nos mesmos locais, com os mesmos hábitos.
P - Ou seja, não foram tomadas medidas de adaptação...
R - Exactamente. Temos de nos adaptar ao tempo que enfrentamos e tomar medidas eficazes. Só que estas medidas podem ser dispendiosas e os governos, como os fenómenos não acontecem todos os anos, vão esquecendo essas medidas ou têm dificuldades financeiras e, portanto, vão adiando a solução.
P - Os dados sobre o clima são fiáveis?
R - Há resultados de observações que apontam para uma alteração do clima e eu não os vou pôr em causa. O que ainda é discutível é se o homem é o principal responsável por essa mudança, isto é, não há certezas em relação às causas principais do fenómeno.
P - Portanto, aposta mais em medidas adaptativas do que em medidas para contrariar o aquecimento global...
R - Há aqui dois aspectos a considerar. Um é o tempo. A atmosfera tem comportamentos previsíveis com uma certa antecedência, que estão bem compreendidos, e aí julgo que os governos podem actuar sem grandes dúvidas. O caso das cheias em Moçambique. Em relação ao clima, como este é o apuramento estatístico de um certo período temporal – de 30 anos, no mínimo -, aí não temos ainda previsões.
P - E a actuação dos governos?
R - Tem de ser de um tipo diferente. O que dispomos em relação ao futuro são apenas cenários. Uma boa parte dos governos do planeta acredita que estamos a viver uma alteração climática que se vai acentuar, e que a causa é o lançamento para a atmosfera de gases ditos com efeito de estufa. Por isso, as medidas já tomadas apontam no sentido de diminuir as emissões e de desenvolver novas formas de produção de energia, já que as formas habituais lançam esses gases. Estas são medidas que os governos podem e devem tomar.
P - Porquê?
R - Não temos a certeza se é essa a principal causa das alterações climáticas. Mas é sempre positivo desenvolver formas de energia mais eficientes e que castiguem menos o ambiente.
P - Então defende uma alteração de prioridades, em que as medidas de adaptação passem a ser mais importantes?
R - Em relação aos fenómenos de tempo tem de haver medidas de curto prazo. Quanto ao clima, as medidas adaptativas devem também existir, nomeadamente no desenvolvimento de novas energias. Mas não apenas nisso, porque o homem está a perturbar o ambiente com incêndios florestais numa escala bastante apreciável, com formas de utilização do solo não adequadas à região em que se inserem e às alterações climáticas que já estamos a viver e, por consequência, há um certo número de actividades humanas que deveriam ser revistas e até evitadas. Portanto, não é apenas a redução das emissões de gases que interessa. Se alteramos o revestimento e o uso do solo estamos a mudar o albedo planetário, isto é, o coeficiente de reflexão para a radiação solar. E o albedo é um factor climático muito importante. Ou seja, devíamos olhar para as alterações climáticas de uma forma integrada.
P - Será possível prever um dia o clima?
R - Sim, com os desenvolvimentos tecnológicos, quer nas observações quer no cálculo científico, tal como hoje temos previsões do tempo. Agora, os actuais modelos de clima terão de ser muito melhorados em certos aspectos.
P - Em quais?
R - Repare que os actuais modelos estão a ser forçados para aquecer e, por consequência, se os processos naturais que podem contrariar o aquecimento estiverem mal representados nos modelos, obviamente que eles vão dar aumentos de temperatura que não se vão observar. É essa uma das razões por que prestigiados cientistas como Richard Lindzen, professor de meteorologia do MIT, não acreditam na corrente de pensamento dominante. Ele argumenta, e com razão, que o papel das nuvens, que é fundamental, está pessimamente representado nos modelos de clima existentes. E, de facto, estes modelos são ainda muito limitados – apesar de terem evoluído de uma forma fantástica - porque os processos ligados ao clima são muito complexos. Não é fácil estar a entender e a modelar estes processos.
P - Ainda não há uma Teoria do Clima?
R - Não, e é esse o problema. Enquanto nos limitarmos a utilizar estatisticamente resultados de modelos imperfeitos, as coisas não vão avançar muito. Mas os cientistas que usam métodos estatísticos quer para tratar observações quer para tratar de resultados de modelos não são para descredibilizar. Há muitas incertezas ligadas a esta problemática. Temos de investigar mais, de melhorar mais os modelos e de procurar entender os processos.
P - As conclusões do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) da ONU são credíveis?
R - O IPCC é formado por um conjunto de pessoas que vão traduzir o trabalho da comunidade científica. São pessoas credíveis, agora não podemos esquecer que o Painel é politicamente orientado, as suas conclusões não são puramente científicas. E são apresentadas em termos probabilísticos, porque o IPCC toma as suas precauções na forma como fala. Mas também reconheço que muitas das pessoas que, em Portugal e fora do país, estão ligadas a esta problemática das alterações climáticas não são cientistas do clima.
P - Então por que estão eles envolvidos no processo?
R - Por causa da tal orientação política e porque as novas formas de produção de energia, justificadas pela necessidade de reduzir as emissões, envolvem interesses económico-financeiros, tal como as energias fósseis. Em Portugal há uma dezena de cientistas ligados ao clima que está fora de todo o processo nacional e internacional de preparação de medidas para enfrentar as alterações climáticas. A composição da delegação portuguesa na Cimeira de Bali é um bom exemplo desta realidade.
P - Há outros riscos ambientais que não estão relacionados com as alterações climáticas?
R - Sim, e é preciso estudar estes riscos e compará-los com os outros. Riscos ligados ao clima são riscos de emissões, de aumento de concentração de gases - que não são poluentes, porque o CO2 é um gás fundamental na fotossíntese, mas em excesso afecta a radiação infravermelha que a Terra recebe, isto é, o aquecimento à superfície. Mas há outros riscos ligados à energia nuclear, à produção artificial de alimentos, aos transgénicos, que podem ser superiores ou não - é preciso avaliar isso - aos riscos ligados à alteração do clima. As alterações climáticas vão ter impactos adversos na agricultura, na saúde, no turismo, na energia, nos recursos hídricos, etc., mas há outras actividades humanas que também têm impacto nos mesmos sectores.
P - E quanto aos fenómenos naturais?
R - Olhe, em 2007/2008 temos um bom exemplo: estamos a viver um fenómeno que começa no hemisfério Sul, o La Niña (o oposto do famoso El Niño), bastante intenso, que provocou anomalias em várias regiões do globo. Quando há um El Niño há um aquecimento global da troposfera. Acredita-se que foi devido ao La Niña que o último Verão foi fresco e chuvoso, por exemplo. O instituto meteorológico do Reino Unido já veio dizer que 2008 vai ser provavelmente o ano mais frio depois de 2000 por causa do La Niña. Isto justifica os fenómenos extremos que se têm registado no mundo, sobretudo na América do Sul. Esses fenómenos são preditíveis, as suas consequências são conhecidas e pode haver, por isso, uma intervenção humana para os mitigar.
P - O clima na Europa está mais quente?
R - Um trabalho de investigação feito pelo investigador João Santos, da Universidade de Évora, no âmbito do projecto europeu MICE (Impactos Extremos de Clima na Europa) conclui que sobre a Europa, quer na temperatura mínima quer na máxima, o número de episódios frios (em que as temperaturas mínima e máxima estiveram abaixo da média) diminuiu entre 1961 e 1990, e o número de episódios quentes aumentou. Mas esse aumento não foi uniforme, deu-se sobretudo numa parte da Europa do Norte e no Mediterrâneo Ocidental. Quando se fala em aquecimento global, não quer dizer que ele se dê em todos os lados e em todos os locais. Quer antes dizer que o positivo dominou o negativo na evolução das temperaturas. João Santos verificou também que a grande responsabilidade destas distribuições de temperaturas no período de referência (estamos a falar em dados reais e não em cenários) é devida à Oscilação do Atlântico Norte (NAO). Registaram-se anomalias aquecimentos nuns lados, arrefecimentos nos outros - porque houve uma predominância da fase positiva da NAO em 1961-1990. Isto significa que não nos temos que reportar necessariamente a alterações climáticas.
P - Além do NAO, há outros exemplos?
R - Há também a chamada Oscilação Decadal do Pacífico, de baixa frequência, que acontece de 10 em 10 anos, que é referida por um cientista brasileiro que também não acredita nada no aquecimento global, Luís Carlos Molion, da Universidade de Alagoas, em Maceió. Segundo ele, o clima global é muito condicionado por esta oscilação na temperatura das águas do Pacífico (que sobe ou desce). E constata que esta oscilação está a caminhar para a sua fase negativa, o que significa que a partir de 2012-2015 vamos começar a ver as temperaturas na atmosfera a descer. Eu não sei se ele tem razão ou não, mas o que de facto sabemos é que quando determinadas oscilações estatísticas persistem, vão criar anomalias de tempo, de temperatura. Se existirem oscilações de grande período (de baixa frequência), podemos estar a sentir uma subida de temperatura e julgar que é uma tendência, quando na verdade não é.
P - E como pode a ciência explicar estas diferenças?
R - A atmosfera tem de obedecer às leis da Física, que obrigam a certos balanços de massa, de energia, de momento angular, etc. A circulação da atmosfera tem de ser feita para satisfazer esses balanços globais. Quando as temperaturas excedem um limiar, a atmosfera desestabiliza-se e criam-se perturbações (as frontais, as frentes) que acabam com a instabilidade. Portanto, podem acontecer ciclones tropicais para redistribui energia e momento angular. E isso pode explicar muita coisa, não é preciso pensar só em alterações climáticas.
Versão integral da entrevista publicada na edição do Expresso de 9 de Fevereiro de 2008, 1.º Caderno, páginas 30 e 31.
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