domingo, dezembro 17, 2006

Furacões de 2006

Nunca uma falha na previsão de um acontecimento climático foi tão bem recebida. Em 22 de Maio de 2006, a NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration) lançou a previsão “2006 Atlantic Hurricane Outlook”.

A NOAA admitia então que havia uma probabilidade de 80 % de se verificar uma época de 2006 acima da normal, de 15 % de ser próxima da normal e de apenas 5 % de ser abaixo da normal. Tudo relativamente ao Atlântico.

Deste modo, anunciando uma época de 2006 extraordinariamente activa, previa 13 a 16 ciclones tropicais, 8-10 furacões e 4-6 furacões de elevada intensidade. A NOAA baseava as suas previsões na “continuação espectável das condições favoráveis desde 1995”.

Estas condições favoráveis à formação de ciclones tropicais incluíam – na perspectiva da NOAA –, nomeadamente, as temperaturas elevadas do oceano, os ventos cortantes e a reduzida pressão atmosférica sobre o oceano.

Ainda que o desenrolar da época tenha sido muito mais suave, a NOAA manteve-se confiante nas suas capacidades de previsão e em Agosto anunciou uma actualização (o Instituto de Meteorologia chamou-lhe “refinamento” ou “afinamento” das previsões).

A NOAA continuou a atribuir “uma probabilidade de 75 % para uma época acima da normal, de 20 % para ser média e de 5 % abaixo da média”. Deslocou 5 % da probabilidade acima para a média. Esta previsão incluía 12-15 ciclones tropicais, 7-9 furacões e 3-4 furacões intensos.

Acabou por acertar nos modestos 5 %. Procuram-se agora explicações para as falhas das previsões. Mas não se fala no desconhecimento dos mecanismos reais da ciclogénese tropical por parte da NOAA.

As previsões baseavam-se em valores médios das estatísticas e numa “pitada de sal” nos inputs dos modelos. Já se sabe que são modelos que não integram explicações da realidade mas conceitos clássicos desactualizados há mais de meio século.

Quais são as hipóteses que se avançam para o falhanço das previsões? Uma é a do aparecimento do El Niño. Outra é a do aparecimento de nuvens de areia do deserto do Sara.

Quanto à atribuição de culpas ao El Niño parece estranho que só agora se tenha lembrado dele. Quando em 22 de Maio a NOAA anunciou as primeiras previsões já sabia que o El Niño estava para nascer.

O misterioso El Niño tem sido culpado de muitas coisas. Quanto à sua relação com este falhanço é uma acusação difícil de aceitar.

A NASA anunciou, em 2005, o El Niño para Janeiro de 2006. Mas o Dr. Theodore Landscheidt, já falecido, previu, em 2003, o aparecimento do El Niño em Julho de 2006. Tal como veio a acontecer. Consequentemente, não há desculpas para ignorar a previsão do El Niño de 2006.

Se olharmos para a Fig. 72, no ano do El Niño de 1998 o número de furacões não foi inferior ao de anos anteriores sem este fenómeno climático (1989, 1993 e 1994, por exemplo). Por isso, a hipótese El Niño é dificilmente aceitável.

Já a segunda hipótese das areias do deserto é capaz de ter algum fundamento. Realmente, as nuvens de areia muito fina podem ter introduzido ar seco na atmosfera.

Faltou a humidade do ar que faz parte das cinco características draconianas da ciclogénese. E basta faltar uma para não se gerarem ciclones tropicais que podem conduzir aos furacões.

A Fig. 72 mostra-nos a evolução do número de ciclones tropicais no conjunto dos oceanos Pacífico, Índico e Atlântico, desde 1989 a 2005. Apesar do trágico acontecimento do Katrina, o número global de 2005 situou-se dentro do normal.

O número de ciclones tropicais do Atlântico, em 2005, excedeu o de 1995. Daí a NOAA se ter referido ao ano de 1995 quando lançou as previsões em Março de 2006.

Este gráfico foi obtido através de uma página web da Météo France. Nesta encontram-se análises relativas aos ciclones tropicais que interessam, especialmente, aos territórios ultramarinos franceses.

Destaca-se que os furacões (a verde na Fig. 72) representam apenas 15 % do total de ciclones tropicais. Mas têm uma repercussão mediática muito superior pelas razões conhecidas das suas consequências nefastas nas costas dos EUA.

Num workshop realizado pela Organização Meteorológica Mundial, recentemente, em Novembro de 2006, para discutir ciclones tropicais, concluiu-se que: - “No individual tropical cyclone can be directly attributed to climate change.

Reconheceu-se que não é consensual atribuir ao “aquecimento global”, isto é, às emissões antropogénicas de gases com efeito de estufa, responsabilidades pelo Katrina e por outros fenómenos semelhantes. Vá lá…

Faltou acrescentar a explicação mais plausível de todas para o fiasco da temporada de furacões de 2006. Por sorte, raramente estiveram reunidas as 5 condições draconianas que se resumem: - 1) campo depressionário profundo; 2) disparo de uma ascensão do ar até à tropopausa; 3) formação ou acentuação de um vortex; 4) monções e alísios (é aqui que entram as areias do deserto) ; 5) e, final e essencialmente, existência do equador meteorológico vertical no local das anteriores condições.


Correcção: Um leitor chamou a atenção para uma gralha que foi corrigida - "levada" para "elevada". Agradecimentos devidos. Aproveitou-se para substituir a palavra "organizado" por "realizado".