quarta-feira, julho 02, 2008

Aquecimento ou histeria global? (5)

Luiz Carlos Baldicero Molion
Instituto de Ciências Atmosféricas, Universidade Federal de Alagoas
Cidade Universitária - 57.072-970 Maceió, Alagoas - BRASIL
email: molion@radar.ufal.br
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5. VARIABILIDADE CLIMÁTICA NATURAL

Além do efeito-estufa, outros processos físicos internos ao sistema terra-atmosfera-oceano, de não menor importância, controlam o clima. Variações da circulação atmosférica, associadas às variações da temperatura de superfície do mar (TSM) como, por exemplo, alterações na freqüência de ocorrência de eventos El Niño-Oscilação Sul (ENOS), são outras causas de mudanças significativas na temperatura global. É notória a grande variabilidade causada pelos eventos El Niño (1982, 1987 e 1998), observada na série de temperatura média da troposfera global, produzida pelos sensores MSU a bordo de satélite.

O evento El Niño de 1997/98, considerado o evento mais intenso do século passado, produziu anomalia de temperatura do ar global de cerca de 0,8 °C (acima de 1,0 °C no Hemisfério Norte), enquanto o La Niña de 1984/85, um resfriamento de – 0,5 °C (ver Figura CM2). Entre um El Niño e um La Niña, portanto, pode haver variações da temperatura média global superiores a 1 °C. Molion, em um artigo publicado em 2005, relembrou que a freqüência de El Niños intensos foi maior entre 1977-1998, o que pode ter contribuído, em parte, para aquecimento atual, já que El Niños aquecem a baixa troposfera.

Conhece-se bem a influência dos oceanos na variabilidade climática de curto prazo (ENOS). Mas a variabilidade oceânica de prazo mais longo, e seus efeitos sobre o clima, ainda não são bem conhecidos. Sabe-se que existem mudanças de prazo mais longo nas circulações oceânicas de escala global, da ordem de décadas, como a Oscilação Decadal do Pacífico (ODP), e milênio, como a Circulação Oceânica Profunda, e que essas influenciam fortemente o transporte e a distribuição horizontal de calor sensível nos oceanos e, conseqüentemente, as temperaturas do ar, devido às variações nas trocas de calor entre a superfície do oceano e a atmosfera.

Porém, tais efeitos ainda não foram quantificados com a precisão necessária. Convém ressaltar que os oceanos cobrem 71 % da superfície terrestre e que o Pacífico, sozinho, ocupa 35 % dessa superfície. Como a atmosfera é aquecida por debaixo, os oceanos constituem a condição de contorno inferior mais importante para a atmosfera e para o clima global. Portanto, variações nas configurações das TSM, devido às variações de transporte de calor em direção aos pólos, devem produzir mudanças climáticas sensíveis. Há uma surpreendente coincidência entre as fases ODP e a temperatura média global.

O resfriamento do clima global durante o período de 1947-1976 (Figura CM1), não explicado pelo IPCC, coincide com a fase fria da ODP, fase em que o Pacífico Tropical apresentou anomalias negativas de TSM e uma freqüência maior de eventos La Niña. O aquecimento entre 1977-1998, além do efeito da urbanização (“ilha de calor”), pode estar relacionado com a fase quente da ODP – período em que o Pacífico Tropical apresentou temperaturas acima da média – durante a qual ocorreu uma freqüência alta de eventos ENOS intensos que, como foi dito, também contribuem para aquecer a baixa troposfera.

Em adição, foi observado por Sirpa Häkkinen e Peter Rhines, da NASA, que a Corrente do Golfo do México – corrente marinha que transporta calor para o Atlântico Norte, região da Inglaterra, Escandinávia, Groelândia e Ártico – voltou a ficar mais ativa na primeira metade da década de 1990. Com maior transporte de calor sensível, as TSM aumentam e os ventos de oeste retiram mais calor do Atlântico Norte e o transportam para a Europa Ocidental - onde está a maior fração dos termômetros utilizados para elaborar a Figura CM1 – que, por conseguinte, apresenta uma mudança climática, um aquecimento local e não global!

Dentre os principais controladores externos, estão a variação da produção de energia do Sol, as mudanças dos parâmetros orbitais da Terra e a tectônica de placas. O Sol é a principal fonte de energia para os processos físicos que ocorrem na atmosfera. Porém, sua produção de energia denominada “constante solar”, em média 1368 Wm-2, não é propriamente constante. Observações recentes, feitas por satélites em apenas dois ciclos e meio de manchas solares de 11 anos, sugerem que sua produção possa variar de 0,2% pelo menos, ou seja, 2,7 Wm-2 dentro de um ciclo.

Durante o Ciclo de Gleissberg atual – ciclo solar com um período aproximado de 90 anos - essa variação deve ter sido ainda maior, pois o número máximo de manchas solares nos ciclos de 11 anos variou de cerca de 50 manchas, em 1913, para mais de 200 manchas, em 1957. Na Figura 1 do artigo de Mike Lockwood e Claus Fröhlich, publicado em 2007, vê-se que a variação da constante solar pode chegar a 4 Wm-2 entre um máximo e um mínimo solar. Considerando albedo planetário de 30%, 70% dessas variações (1,9 a 2,8 Wm-2 ) chegariam à superfície, o que é superior ao efeito de aquecimento climático (“forçamento radiativo”, na linguagem do IPCC) de todos os gases antropogênicos liberados pelo Homem nos últimos 150 anos. A falta de conhecimento atual, porém, não permite conclusão definitiva que haja influência da variação da produção de energia do Sol no clima, embora o IPCC afirme que ela não seja significativa (+ 0,12 W m-2).

Um controlador interno, mas que pode sofrer influências externas, é o já citado albedo planetário, cujas variações controlam o fluxo de energia solar (ROC) que entra no sistema terra-atmosfera-oceanos. Erupções vulcânicas explosivas lançam grandes quantidades de aerossóis na estratosfera, aumentam o albedo planetário e podem causar resfriamento significativo durante décadas. O efeito de uma erupção é sentido rapidamente em curto prazo. Pat Minnis e colaboradores da NASA, usando dados do experimento orbital Balanço Radiativo da Terra (ERBE), mostraram, em 1993, que a erupção do Monte Pinatubo, Filipinas, reduziu de 10 a 15 Wm-2 a radiação disponível entre as latitudes 40 ºN-40 ºS durante vários meses.

As erupções recentes do El Chichón (1982) e do Monte Pinatubo (1991) causaram resfriamentos durante 3 anos, com temperaturas de até 0,5 °C abaixo da média, conforme os dados dos MSU (ver Figura CM2). Os efeitos de erupções vulcânicas no clima, porém, podem ser de prazo mais longo se elas forem mais freqüentes. Como entre 1815 e 1912, de maneira geral, a freqüência de erupções vulcânicas foi grande, a concentração de aerossóis e o albedo planetário estiveram altos, e isso pode ter contribuído para manter as temperaturas globais baixas no início da série de temperatura na Figura 1.

Porém, no período 1915 a 1956, Molion (2006) comentou que a atividade vulcânica foi a menor dos últimos 400 anos e o albedo planetário reduziu-se (aumentou a transparência atmosférica), permitindo maior entrada de ROC no sistema durante 40 anos consecutivos e aumentando o armazenamento de calor nos oceanos e as temperaturas superficiais dos oceanos e do ar. É muito provável, portanto, que o aquecimento observado entre 1925 e 1946, que corresponde à cerca de 60% do aquecimento verificado nos últimos 150 anos, tenha resultado do aumento da atividade solar, que atingiu seu máximo em 1957/58, e da redução da atividade vulcânica, ou seja, redução do albedo planetário e aumento da transparência atmosférica, e não do efeito-estufa intensificado pelas atividades humanas que, na época, eram responsáveis por menos de 10% das emissões atuais de carbono!

Em 1997, o físico dinamarquês Henrik Svensmark sugeriu a hipótese que raios cósmicos galácticos (RCG) produzam aumento da concentração de núcleos de condensação (NCs) – partículas higroscópicas essenciais para dar início à produção de gotas d’água de nuvens e de chuva - ao entrarem na atmosfera terrestre. O aumento da concentração dos NCs induziria o aumento da cobertura de nuvens baixas que, por sua vez aumentaria o albedo planetário e tenderia a resfriar o planeta (feedback negativo). O coeficiente de correlação entre os dois fenômenos, contagem de RCG e cobertura de nuvens, é alto (- 0,96).

Entretanto, Mike Lockwood e Claus Fröhlich, em seu mesmo estudo publicado em 2007, contestaram essa hipótese, argumentando que a atividade solar, em declínio desde 1985, não estaria aumentando a cobertura de nuvens e que a temperatura média global estaria aumentando independentemente da atividade solar. A afirmação de Lockwood e Fröhlich foi criticada por vários pesquisadores que apontaram falhas em seu artigo, entre outras, a questionável técnica usada pelos autores para suavizar os dados de contagens de RCG e a desconsideração do atraso da resposta dos oceanos a flutuações rápidas dos controladores climáticos.

Usando dados astronômicos, Shaviv mostrou, em 2002, que o fluxo de RCG deve variar de um fator maior que 2 quando a Terra atravessa os braços galácticos em espiral, o que ocorre a cada 132 ± 25 milhões de anos. Além dos RCG, o sulfeto de dimetila ou metiltiometano (DMS), é um dos componentes de enxofre biológico mais abundantes na natureza, produzido pelo fitoplancton e algas marinhas. Com aumento de temperatura do mar, algas marinhas ficam estressadas e produzem mais DMS.

Os aerossóis produzidos a partir da oxidação do DMS, por serem altamente higroscópico, atuam como NCs na camada limite atmosférica e, possivelmente, aumentam a cobertura de nuvens baixas e, conseqüentemente, o albedo planetário, resfriando o planeta, um feedback negativo, semelhante aos RCGs.

Indubitavelmente, o Sol é o principal responsável pela variabilidade climática. Porém, a variação da atividade solar apresenta ciclos relativamente longos, décadas ou séculos, e seus efeitos são amortecidos pela grande capacidade de armazenamento de calor, ou inércia, dos oceanos. Mudanças bruscas na temperatura dos oceanos, como a ocorrida no Pacífico em 1976, não podem ser explicadas por fenômenos de baixa freqüência. Uma possível causa seria a tectônica de placas, movimentos ou deslizamentos de placas tectônicas que causam terremotos e erupções vulcânicas, superficiais e submarinos.

Na madrugada de 28 de julho de 1976, a cidade de Tangshan, China, localizada no extremo oeste da Placa do Pacífico, sofreu um terremoto de 8,2 na Escala Richter, que matou mais de 250 mil pessoas de imediato. Posteriormente, dados oficiais afirmaram ter havido mais de 500 mil óbitos. Foi o terremoto mais fatal dos últimos 500 anos na China. Já, em fevereiro, tinha ocorrido um na Guatemala e outro na Itália, em maio, confirmando que movimentos tectônicos intensos foram freqüentes naquele ano.

É possível, pois, que o salto climático de 1976, claramente detectável em todos os climas regionais do planeta, tenha sido causado pela mudança brusca ocorrida no Pacífico, coincidente com a mudança de fase da ODP. Ou seja, um terremoto e/ou uma erupção submarinos violentos, provocam uma mudança quase que instantânea nas temperaturas da superfície do mar e essas, por meio de sua interação com a atmosfera, mudam o clima.

Os exemplos acima citados mostram que o clima é muito complexo, envolvendo controles internos e externos ao sistema terra-atmosfera-oceano, dos quais o efeito-estufa é apenas um dos processos físicos, e que houve aumentos de temperatura em tempos remotos, aparentemente sem sua intensificação.

(continua)