Vai desaparecer um milhão de espécies?
O hipotético aquecimento global é acusado sistematicamente de pôr em perigo a biodiversidade. Certas estimativas prevêem extinções maciças durante o século XXI – a mais citada considera que são 18 % a 35 % das espécies animais e vegetais as ameaçadas. Esta catástrofe anunciada é credível? Um exame mais atento do tema permite duvidar da credibilidade de mais uma catástrofe anunciada. Nenhum caso de extinção de espécies devida ao aquecimento foi bem descrito desde há 150 anos. Numerosos estudos mostram que as reacções da fauna e a da flora ao aquecimento são de fraca amplitude, alguns mostram mesmo que a realidade vai contra o resultado esperado. Além disso, em igualdade de circunstâncias, o aquecimento do planeta e o aumento do CO2 atmosférico seriam sem dúvida favoráveis à biodiversidade.
A revista Nature, de 8 de Janeiro de 2004, publicou um estudo intitulado «Extinction risk from climate change». Esse estudo mobilizou 18 investigadores, 14 centros de investigação de sete nacionalidades. O autor principal foi Chris D. Thomas, biólogo da Universidade de Leeds (Reino Unido).
Pela primeira vez, os autores construíram um modelo para a determinação da probabilidade de extinção das espécies em função da evolução do clima num período de 50 anos. Foram consideradas 1103 espécies (mamíferos, pássaros, répteis, insectos, vegetais) como representativas da biodiversidade de uma vasta zona geográfica, cobrindo cerca de 1/5 de terras emergentes. Para modelar a evolução de cada um das espécies consideradas, durante cinco décadas, os autores adoptaram como variáveis básicas os elementos climáticos actuais do seu ecossistema (temperatura, precipitação, sazonalidade) em função da distribuição geográfica. Fizeram, igualmente, variar a capacidade de migração das espécies (desde a migração nula à universal na área considerada). No que respeita à evolução do clima, retiveram três cenários do IPCC relativos ao aumento da temperatura e à concentração de CO2: 1) + 0,8 ºC a +1,7 °C e 500 ppm de CO2; 2) + 1,8 ºC a +2,0 °C e 500 ppm a 550 ppm de CO2; 3) + 2,0 °C e 550 ppm de CO2.
Consequência geral deste exercício de modelação: a extinção destas espécies situar-se-ia entre 18 % e 35 %, com um valor médio de 24 %.
O desaparecimento de um quarto das espécies de um dado ecossistema seria indubitavelmente um acontecimento importante. A revista Nature fez logicamente a sua cobertura sensacionalista (uma "top story") e os meios de comunicação social do mundo inteiro deram eco à notícia alarmante, como não podia deixar de ser. Embora os autores se tivessem resguardado ao não fazer qualquer extrapolação, a revista dita científica não se coibiu de ir para além dos 1103 casos estudados, pois o seu comunicado de imprensa não hesitou em dizer: “Até 2050, a extinção de um milhão de espécies animais e vegetais está ameaçada pelo aquecimento global”.
A extinção de um milhão de espécies pela causa única do aquecimento global, ainda por cima devido, indirectamente, à acção do Homem... seria, indubitavelmente, um cenário de pesadelo. Mas é, seguramente, um cenário altamente fantasista. O estudo de Thomas et al. sofre do efeito de distorções consideráveis que conduzem a conclusões insustentáveis.
A primeira distorção tem a ver com o efeito excessivo do clima, mais precisamente da temperatura, na evolução da biodiversidade. O método utilizado pelos autores pode com efeito explicar-se resumidamente (exemplo imaginário): se uma espécie actual vive dentro de uma dada gama de temperaturas (entre um mínimo de inverno de 5 °C e um máximo estival de 35 °C), tenderá para a extinção desde que a gama de temperaturas projectada para 2050 diminua no seu ecossistema. É evidente que tal método pode apenas chegar a uma conclusão pessimista quando se aplica a um cenário de aquecimento global.
Outra distorção do estudo: a ignorância das condições locais. O IPCC reconhece que os seus modelos climáticos indicam somente temperaturas globais, e que não podem em caso algum prever à distância de 50 anos (nem mesmo 5, 10 ou 20 anos) as variações climáticas locais [Esta afirmação do IPCC demonstra que a sua metodologia não é séria – determina a média global sem capacidade para determinar as médias regionais que dão lugar à global!]. Um aquecimento global de 1 °C pode muito bem traduzir-se em temperaturas estáveis, ou mesmo mais frias em numerosas zonas do globo. Eis por exemplo um mapa (Fig. 112) que compara as anomalias térmicas da década 1996-2005 em relação à década precedente. Os anos 1996-2005 estariam entre os mais quentes dos 150 últimos anos, com “recordes” em 1998, 2002, 2003, 2004 e 2005.
Apesar de uma diferença global de 0,21 °C entre as duas décadas, o mapa junto permite certificar que numerosas regiões conservaram uma temperatura constante ou ligeiramente mais fresca (zonas a branco e a azul). É o caso de largas zonas das Américas, da Sibéria, da Ásia, do Sul de África, da Austrália e do Antárctico.
O defeito essencial do modelo de Thomas et al. é por conseguinte o seu simplismo. Os biólogos que estudam a ecologia evolutiva e funcional sabem que se pode utilizar dois tipos de modelos. Uns, ditos “estatísticos”, fazem intervir um número limitado de parâmetros quantificados e estudam a sua evolução no tempo. Outros, ditos “mecanicistas”, simulam o comportamento real de uma espécie dada a partir dos elementos dos quais se dispõe sobre a espécie em questão. Esta última escolha é evidentemente mais fina e mais precisa. O problema situa-se nos nossos conhecimentos reais, sobre as espécies no seu meio natural, serem extremamente limitados, contrariamente ao que se poderia pensar. Não somente se desconhece o número exacto de espécies presentes na Terra, mas também poucas delas são objecto de estudos intensivos in situ. Veremos um pouco mais adiante que certas espécies, estudadas de mais perto, parecem responder de maneira flexível às modificações locais do clima.
O Dryas não provocou nenhuma hecatombe
Se o modelo de Thomas et al. fosse rigoroso, dever-se-ia poder aplicá-lo ao passado, e não somente ao futuro. Assim, encontrar-se-ia confrontado com projecções insustentáveis, tal como acontece com simulações inconsistentes com a realidade do passado. O cenário mais conservador do estudo refere o desaparecimento de 18 % das espécies para um aquecimento de 0,8 ºC a 1,5 °C. Mas o intervalo baixo deste cenário quase é atingido pela avaliação do IPCC, a saber, de um aquecimento médio global de 0,6 °C ± 0,2 °C, desde 1861, e de períodos anteriores de forte aquecimento, como o de 1910-1940. Em boa lógica, já teríamos assistido a uma forte extinção das espécies, supostamente explicável pelo aquecimento já detectado. Ora, este fenómeno não está documentado em nenhum lado.
Quando se recua ligeiramente no tempo geológico, o cenário toma proporções inquietantes. Sabe-se que o clima é tudo excepto estável. Um episódio bem conhecido do Holoceno foi o Dryas recente, que sucedeu há 12 mil e 900 anos e há 11 mil e 500 anos (antes de 1950 - ver nota da Fig. 113). Este período foi marcado por variações bruscas do clima num intervalo de tempo muito curto, pelo menos no Hemisfério Norte (ver Fig. 113 das temperaturas na Gronelândia central). Estas variações bruscas de amplitude estão documentadas por diversos indicadores, como os de cilindros de gelo da Gronelândia ou o exame dos pólenes captados nas turfeiras (Dansgaard, 1989; Alley, 1993; Severinghaus, 1998). Na fase de arrefecimento, considera-se que na Gronelândia a temperatura desceu 15 °C, na Europa 5 °C. A fase de aquecimento que seguiu foi mais brutal ainda, com subidas de 6 °C considerada em períodos muito curtos (cerca de cinquenta anos). Esta amplitude climática, sem dimensão comum à observada desde há 100 ou 1000 anos, teria conduzido a extinções maciças. O cenário mais sombrio de Thomas et al. refere-se a 35 % de espécies ameaçadas para um aquecimento “limitado” a 2,0 °C: o Dryas recente multiplicou este dado por um factor três sobre uma duração comparável (algumas décadas a alguns séculos). E isso se tiver em conta apenas o aquecimento. O pico de biodiversidade constantemente observada nas regiões equatoriais, mais quentes e mais húmidas, em relação à relativa pobreza das regiões polares, sugere que o arrefecimento constitui uma ameaça não menos séria para a biodiversidade. Nestas condições, utilizando-se modelos simples como os de Thomas et al., o Dryas recente teria provocado no Hemisfério Norte uma hecatombe comparável às grandes extinções do passado geológico! Mas nada disso se encontra documentado (Van Loon, 2003).
Outro exemplo para a nossa época geológica, baptizada por Holoceno, que começou há 10 mil anos (anos carbono radioactivo). Quase todas as espécies hoje presentes sobre a Terra (excepto as espécies domésticas) existiam já ao longo de todo este período. Ora, o Holoceno é marcado por largas amplitudes climáticas, com longas fases de aquecimento cruzadas por episódios frios. Considera-se que o episódio do Óptimo Climático do Holoceno, situado há 5000 a 9000 anos, foi marcado por temperaturas mais quentes que hoje (+ 0,5 ºC a + 2 °C). Donde, ter-se-ia verificado extinções importantes, mas não foi o caso excepto de algumas espécies particulares com sobrevivência em regiões muito frias (o exemplo mais famoso é o mamute).
Como a vida reage realmente às variações do clima
Desde Darwin, sabe-se que as espécies evoluem principalmente de acordo com um esquema simples e universal: variação dos traços individuais, selecção dos traços mais vantajosos, adaptação consequente ao meio. É evidente que o clima sempre representou um constrangimento forte para as espécies animais e vegetais. Uma espécie absolutamente incapaz de adaptar-se a variações da insolação, da temperatura ou da humidade teria pouca possibilidade de sobreviver muito tempo sob os céus sempre variáveis da Terra. Esta evidência traz um novo limite ao cenário catastrófico de Thomas et al. Retomando o nosso exemplo de uma população habituada a viver entre temperaturas anuais extremas de 5 ºC a 35 °C, dois factos devem ser tidos em conta: a plasticidade comportamental que permite a uma proporção de organismos adaptar-se às variações ligeiras do meio (por exemplo das temperaturas de 7 ºC a 40 °C); a variabilidade genética que faz com que certos indivíduos sejam melhor predispostos que outros a sobreviver a amplitudes térmicas.
Não se trata aqui de hipóteses gratuitas: o fenómeno já tem sido verificado. Denis Réal (Universidade de Quebeque, Montreal) e a sua equipa estudaram, por exemplo, o esquilo ruivo Yukon. A influência da evolução recente das temperaturas primaveris (aproximadamente + 2 °C) foi medida para uma população de vários milhares de indivíduos e sobre quatro gerações. Os investigadores constataram que durante uma dezena de anos, os esquilos nascem em média dezoito dias mais cedo. Explicação dos biogéographes (que estudam a repartição da flora, da fauna e dos meios biológicos): os indivíduos que possuem uma predisposição genética favorável (gestação mais rápida, desfasamento do ciclo reprodutivo) obtiveram rapidamente vantagem sobre os outros. Este exemplo ilustra a adaptabilidade ao clima dos indivíduos e das espécies. Parece particularmente marcada no esquilo Yukon, dado que apenas dez anos foram suficientes para produzir uma evolução notável.Os exemplos não se encontram apenas nos mamíferos. Os pássaros mostram também uma surpreendente capacidade de adaptação. Um estudo efectuado entre 1975 e 1995 teve como exemplo 65 espécies europeias e mostrou que, à excepção de uma (o pombo colombin Columba oenas), avançou a data de postura durante o ano, atingindo esta precocidade nove dias para uma vintena de espécies (Crick, 1999). Quando se estuda mais em detalhe uma população específica, apercebe-se contudo a sua grande variação interna. Um trabalho efectuado durante vinte anos e relativo a 24 populações de chapins (pássaros que se nutrem de insectos, de grainhas e de frutos) repartidas em seis países europeus mostrou que respostas da fauna avícola a variações climáticas semelhantes podem diferir de acordo com as regiões, mas também entre grupos geograficamente mais próximos. A diversidade em questão referia-se não apenas à precocidade do acoplamento conjunto das posturas, facto geralmente observado, mas também à frequência das segundas ninhadas (Visser, 2003).
Os dados disponíveis não são tão alarmantes
Em 2003, foi realizado um estudo quantitativo sobre a resposta de mais de 1700 espécies às alterações climáticas do século XX (Parmesan, C. et al., 2003). Esta meta-síntese da leader na matéria, Camille Parmesan, reuniu os dados de 30 estudos precedentes. O estudo de Camille refere-se à phenology (evolução sazonal e anual dos ciclos naturais dos organismos), à distribuição e à abundância das espécies estudadas.
Obtiveram-se os resultados seguintes.
- Para 99 espécies de pássaros, de vegetais alpinos ou de borboletas, nota-se uma deslocação média para Norte de 6,1 km (ou de um metro de altitude) por década. Que uma espécie de pássaro altere a sua área de 60 km num século ou que uma espécie de erva suba 10 metros num século não é nada dramático.
- Para 172 espécies de vegetais (ervas, árvores) e de animais (borboletas, anfíbios), nota-se uma modificação phenologic média de precocidade do calendário primaveril de 2,3 dias por década. Mesmo neste caso, a evolução não apresenta traços de uma catástrofe sem precedentes: 23 dias num século em condições de aquecimento permanente.
- Para 678 espécies para as quais se dispõe de dados phenologics de longo prazo, 196 não tiveram movimento notável, 423 mostram adaptações ao aquecimento, 61 adaptações ao arrefecimento.
- Para 920 espécies das quais se dispõe de dados relativos à distribuição e à abundância, 460 não apresentaram uma evolução significativa, 372 evoluíram em conformidade com as previsões do aquecimento, 88 em sentido oposto das previsões (perto de dois terços das espécies não responderam por conseguinte localmente ao suposto aquecimento global).
Estes dados, pelo menos contrastados, confirmam que de modo algum a hipótese de uma catástrofe iminente é de temer. Existe uma obra inteira consagrada à questão que não apresenta nenhum caso de extinção de espécies recente devida às variações locais ou globais do clima (Lovejoy e Hannah, 2004), mas apresenta séries locais de variações que se inscrevem no comportamento normal das espécies.
O que concluir?
- As modelações que consistem em considerar dois únicos critérios climáticos globais (temperatura, concentração CO2) são demasiado simplistas para dar conta da evolução real das espécies sobre um longo período.
- As variações de temperatura recentes (aquecimento desde 1861) ou mais antigos (episódio caótico do Dryas recente) não se traduziram num desaparecimento maciço de espécies, mesmo quando a amplitude de variação das temperaturas foi muito forte (Dryas).
- O estudo detalhado das espécies no seu meio natural mostra que desenvolvem rapidamente estratégias adaptativas perante as variações locais de temperatura, o que está em conformidade com as previsões da teoria da evolução.
- Geralmente, os climas mais quentes e mais húmidos (previsão dominante do IPCC para o século XXI) são considerados como favoráveis ao desenvolvimento da vida, o que se testemunha pela biodiversidade das zonas tropicais em relação às zonas moderadas ou polares.
- Alguns biólogos consideram que desapareceram 99 % das espécies. Em cada época da história da vida, espécies aparecem e outras desaparecem. A ideia de uma “conservação da vida no mesmo estado” não tem nenhum sentido do ponto de vista da evolução.
- É inútil agitar o pânico do aquecimento global para afirmar que as actividades humanas põem localmente em perigo numerosas espécies. O estudo aprofundado da preservação é indubitavelmente necessário. Uma abordagem racional e contextual contribuirá bem melhor do que análises ligeiras e globais cujo sensacionalismo é inversamente proporcional à eficácia.
- Seria interessante que os estudiosos se debruçassem também sobre um cenário de arrefecimento com mais consequências negativas para a biodiversidade do que os cenários de aquecimento.
[Texto entregue à II Conferência da WAVES Portugal. Foi adaptado, com a devida autorização, de um ensaio de Charles Muller autor do blogue Climat Sceptique ]
A revista Nature, de 8 de Janeiro de 2004, publicou um estudo intitulado «Extinction risk from climate change». Esse estudo mobilizou 18 investigadores, 14 centros de investigação de sete nacionalidades. O autor principal foi Chris D. Thomas, biólogo da Universidade de Leeds (Reino Unido).
Pela primeira vez, os autores construíram um modelo para a determinação da probabilidade de extinção das espécies em função da evolução do clima num período de 50 anos. Foram consideradas 1103 espécies (mamíferos, pássaros, répteis, insectos, vegetais) como representativas da biodiversidade de uma vasta zona geográfica, cobrindo cerca de 1/5 de terras emergentes. Para modelar a evolução de cada um das espécies consideradas, durante cinco décadas, os autores adoptaram como variáveis básicas os elementos climáticos actuais do seu ecossistema (temperatura, precipitação, sazonalidade) em função da distribuição geográfica. Fizeram, igualmente, variar a capacidade de migração das espécies (desde a migração nula à universal na área considerada). No que respeita à evolução do clima, retiveram três cenários do IPCC relativos ao aumento da temperatura e à concentração de CO2: 1) + 0,8 ºC a +1,7 °C e 500 ppm de CO2; 2) + 1,8 ºC a +2,0 °C e 500 ppm a 550 ppm de CO2; 3) + 2,0 °C e 550 ppm de CO2.
Consequência geral deste exercício de modelação: a extinção destas espécies situar-se-ia entre 18 % e 35 %, com um valor médio de 24 %.
O desaparecimento de um quarto das espécies de um dado ecossistema seria indubitavelmente um acontecimento importante. A revista Nature fez logicamente a sua cobertura sensacionalista (uma "top story") e os meios de comunicação social do mundo inteiro deram eco à notícia alarmante, como não podia deixar de ser. Embora os autores se tivessem resguardado ao não fazer qualquer extrapolação, a revista dita científica não se coibiu de ir para além dos 1103 casos estudados, pois o seu comunicado de imprensa não hesitou em dizer: “Até 2050, a extinção de um milhão de espécies animais e vegetais está ameaçada pelo aquecimento global”.
A extinção de um milhão de espécies pela causa única do aquecimento global, ainda por cima devido, indirectamente, à acção do Homem... seria, indubitavelmente, um cenário de pesadelo. Mas é, seguramente, um cenário altamente fantasista. O estudo de Thomas et al. sofre do efeito de distorções consideráveis que conduzem a conclusões insustentáveis.
A primeira distorção tem a ver com o efeito excessivo do clima, mais precisamente da temperatura, na evolução da biodiversidade. O método utilizado pelos autores pode com efeito explicar-se resumidamente (exemplo imaginário): se uma espécie actual vive dentro de uma dada gama de temperaturas (entre um mínimo de inverno de 5 °C e um máximo estival de 35 °C), tenderá para a extinção desde que a gama de temperaturas projectada para 2050 diminua no seu ecossistema. É evidente que tal método pode apenas chegar a uma conclusão pessimista quando se aplica a um cenário de aquecimento global.
Outra distorção do estudo: a ignorância das condições locais. O IPCC reconhece que os seus modelos climáticos indicam somente temperaturas globais, e que não podem em caso algum prever à distância de 50 anos (nem mesmo 5, 10 ou 20 anos) as variações climáticas locais [Esta afirmação do IPCC demonstra que a sua metodologia não é séria – determina a média global sem capacidade para determinar as médias regionais que dão lugar à global!]. Um aquecimento global de 1 °C pode muito bem traduzir-se em temperaturas estáveis, ou mesmo mais frias em numerosas zonas do globo. Eis por exemplo um mapa (Fig. 112) que compara as anomalias térmicas da década 1996-2005 em relação à década precedente. Os anos 1996-2005 estariam entre os mais quentes dos 150 últimos anos, com “recordes” em 1998, 2002, 2003, 2004 e 2005.
Apesar de uma diferença global de 0,21 °C entre as duas décadas, o mapa junto permite certificar que numerosas regiões conservaram uma temperatura constante ou ligeiramente mais fresca (zonas a branco e a azul). É o caso de largas zonas das Américas, da Sibéria, da Ásia, do Sul de África, da Austrália e do Antárctico.
O defeito essencial do modelo de Thomas et al. é por conseguinte o seu simplismo. Os biólogos que estudam a ecologia evolutiva e funcional sabem que se pode utilizar dois tipos de modelos. Uns, ditos “estatísticos”, fazem intervir um número limitado de parâmetros quantificados e estudam a sua evolução no tempo. Outros, ditos “mecanicistas”, simulam o comportamento real de uma espécie dada a partir dos elementos dos quais se dispõe sobre a espécie em questão. Esta última escolha é evidentemente mais fina e mais precisa. O problema situa-se nos nossos conhecimentos reais, sobre as espécies no seu meio natural, serem extremamente limitados, contrariamente ao que se poderia pensar. Não somente se desconhece o número exacto de espécies presentes na Terra, mas também poucas delas são objecto de estudos intensivos in situ. Veremos um pouco mais adiante que certas espécies, estudadas de mais perto, parecem responder de maneira flexível às modificações locais do clima.
O Dryas não provocou nenhuma hecatombe
Se o modelo de Thomas et al. fosse rigoroso, dever-se-ia poder aplicá-lo ao passado, e não somente ao futuro. Assim, encontrar-se-ia confrontado com projecções insustentáveis, tal como acontece com simulações inconsistentes com a realidade do passado. O cenário mais conservador do estudo refere o desaparecimento de 18 % das espécies para um aquecimento de 0,8 ºC a 1,5 °C. Mas o intervalo baixo deste cenário quase é atingido pela avaliação do IPCC, a saber, de um aquecimento médio global de 0,6 °C ± 0,2 °C, desde 1861, e de períodos anteriores de forte aquecimento, como o de 1910-1940. Em boa lógica, já teríamos assistido a uma forte extinção das espécies, supostamente explicável pelo aquecimento já detectado. Ora, este fenómeno não está documentado em nenhum lado.
Quando se recua ligeiramente no tempo geológico, o cenário toma proporções inquietantes. Sabe-se que o clima é tudo excepto estável. Um episódio bem conhecido do Holoceno foi o Dryas recente, que sucedeu há 12 mil e 900 anos e há 11 mil e 500 anos (antes de 1950 - ver nota da Fig. 113). Este período foi marcado por variações bruscas do clima num intervalo de tempo muito curto, pelo menos no Hemisfério Norte (ver Fig. 113 das temperaturas na Gronelândia central). Estas variações bruscas de amplitude estão documentadas por diversos indicadores, como os de cilindros de gelo da Gronelândia ou o exame dos pólenes captados nas turfeiras (Dansgaard, 1989; Alley, 1993; Severinghaus, 1998). Na fase de arrefecimento, considera-se que na Gronelândia a temperatura desceu 15 °C, na Europa 5 °C. A fase de aquecimento que seguiu foi mais brutal ainda, com subidas de 6 °C considerada em períodos muito curtos (cerca de cinquenta anos). Esta amplitude climática, sem dimensão comum à observada desde há 100 ou 1000 anos, teria conduzido a extinções maciças. O cenário mais sombrio de Thomas et al. refere-se a 35 % de espécies ameaçadas para um aquecimento “limitado” a 2,0 °C: o Dryas recente multiplicou este dado por um factor três sobre uma duração comparável (algumas décadas a alguns séculos). E isso se tiver em conta apenas o aquecimento. O pico de biodiversidade constantemente observada nas regiões equatoriais, mais quentes e mais húmidas, em relação à relativa pobreza das regiões polares, sugere que o arrefecimento constitui uma ameaça não menos séria para a biodiversidade. Nestas condições, utilizando-se modelos simples como os de Thomas et al., o Dryas recente teria provocado no Hemisfério Norte uma hecatombe comparável às grandes extinções do passado geológico! Mas nada disso se encontra documentado (Van Loon, 2003).
Outro exemplo para a nossa época geológica, baptizada por Holoceno, que começou há 10 mil anos (anos carbono radioactivo). Quase todas as espécies hoje presentes sobre a Terra (excepto as espécies domésticas) existiam já ao longo de todo este período. Ora, o Holoceno é marcado por largas amplitudes climáticas, com longas fases de aquecimento cruzadas por episódios frios. Considera-se que o episódio do Óptimo Climático do Holoceno, situado há 5000 a 9000 anos, foi marcado por temperaturas mais quentes que hoje (+ 0,5 ºC a + 2 °C). Donde, ter-se-ia verificado extinções importantes, mas não foi o caso excepto de algumas espécies particulares com sobrevivência em regiões muito frias (o exemplo mais famoso é o mamute).
Como a vida reage realmente às variações do clima
Desde Darwin, sabe-se que as espécies evoluem principalmente de acordo com um esquema simples e universal: variação dos traços individuais, selecção dos traços mais vantajosos, adaptação consequente ao meio. É evidente que o clima sempre representou um constrangimento forte para as espécies animais e vegetais. Uma espécie absolutamente incapaz de adaptar-se a variações da insolação, da temperatura ou da humidade teria pouca possibilidade de sobreviver muito tempo sob os céus sempre variáveis da Terra. Esta evidência traz um novo limite ao cenário catastrófico de Thomas et al. Retomando o nosso exemplo de uma população habituada a viver entre temperaturas anuais extremas de 5 ºC a 35 °C, dois factos devem ser tidos em conta: a plasticidade comportamental que permite a uma proporção de organismos adaptar-se às variações ligeiras do meio (por exemplo das temperaturas de 7 ºC a 40 °C); a variabilidade genética que faz com que certos indivíduos sejam melhor predispostos que outros a sobreviver a amplitudes térmicas.
Não se trata aqui de hipóteses gratuitas: o fenómeno já tem sido verificado. Denis Réal (Universidade de Quebeque, Montreal) e a sua equipa estudaram, por exemplo, o esquilo ruivo Yukon. A influência da evolução recente das temperaturas primaveris (aproximadamente + 2 °C) foi medida para uma população de vários milhares de indivíduos e sobre quatro gerações. Os investigadores constataram que durante uma dezena de anos, os esquilos nascem em média dezoito dias mais cedo. Explicação dos biogéographes (que estudam a repartição da flora, da fauna e dos meios biológicos): os indivíduos que possuem uma predisposição genética favorável (gestação mais rápida, desfasamento do ciclo reprodutivo) obtiveram rapidamente vantagem sobre os outros. Este exemplo ilustra a adaptabilidade ao clima dos indivíduos e das espécies. Parece particularmente marcada no esquilo Yukon, dado que apenas dez anos foram suficientes para produzir uma evolução notável.Os exemplos não se encontram apenas nos mamíferos. Os pássaros mostram também uma surpreendente capacidade de adaptação. Um estudo efectuado entre 1975 e 1995 teve como exemplo 65 espécies europeias e mostrou que, à excepção de uma (o pombo colombin Columba oenas), avançou a data de postura durante o ano, atingindo esta precocidade nove dias para uma vintena de espécies (Crick, 1999). Quando se estuda mais em detalhe uma população específica, apercebe-se contudo a sua grande variação interna. Um trabalho efectuado durante vinte anos e relativo a 24 populações de chapins (pássaros que se nutrem de insectos, de grainhas e de frutos) repartidas em seis países europeus mostrou que respostas da fauna avícola a variações climáticas semelhantes podem diferir de acordo com as regiões, mas também entre grupos geograficamente mais próximos. A diversidade em questão referia-se não apenas à precocidade do acoplamento conjunto das posturas, facto geralmente observado, mas também à frequência das segundas ninhadas (Visser, 2003).
Os dados disponíveis não são tão alarmantes
Em 2003, foi realizado um estudo quantitativo sobre a resposta de mais de 1700 espécies às alterações climáticas do século XX (Parmesan, C. et al., 2003). Esta meta-síntese da leader na matéria, Camille Parmesan, reuniu os dados de 30 estudos precedentes. O estudo de Camille refere-se à phenology (evolução sazonal e anual dos ciclos naturais dos organismos), à distribuição e à abundância das espécies estudadas.
Obtiveram-se os resultados seguintes.
- Para 99 espécies de pássaros, de vegetais alpinos ou de borboletas, nota-se uma deslocação média para Norte de 6,1 km (ou de um metro de altitude) por década. Que uma espécie de pássaro altere a sua área de 60 km num século ou que uma espécie de erva suba 10 metros num século não é nada dramático.
- Para 172 espécies de vegetais (ervas, árvores) e de animais (borboletas, anfíbios), nota-se uma modificação phenologic média de precocidade do calendário primaveril de 2,3 dias por década. Mesmo neste caso, a evolução não apresenta traços de uma catástrofe sem precedentes: 23 dias num século em condições de aquecimento permanente.
- Para 678 espécies para as quais se dispõe de dados phenologics de longo prazo, 196 não tiveram movimento notável, 423 mostram adaptações ao aquecimento, 61 adaptações ao arrefecimento.
- Para 920 espécies das quais se dispõe de dados relativos à distribuição e à abundância, 460 não apresentaram uma evolução significativa, 372 evoluíram em conformidade com as previsões do aquecimento, 88 em sentido oposto das previsões (perto de dois terços das espécies não responderam por conseguinte localmente ao suposto aquecimento global).
Estes dados, pelo menos contrastados, confirmam que de modo algum a hipótese de uma catástrofe iminente é de temer. Existe uma obra inteira consagrada à questão que não apresenta nenhum caso de extinção de espécies recente devida às variações locais ou globais do clima (Lovejoy e Hannah, 2004), mas apresenta séries locais de variações que se inscrevem no comportamento normal das espécies.
O que concluir?
- As modelações que consistem em considerar dois únicos critérios climáticos globais (temperatura, concentração CO2) são demasiado simplistas para dar conta da evolução real das espécies sobre um longo período.
- As variações de temperatura recentes (aquecimento desde 1861) ou mais antigos (episódio caótico do Dryas recente) não se traduziram num desaparecimento maciço de espécies, mesmo quando a amplitude de variação das temperaturas foi muito forte (Dryas).
- O estudo detalhado das espécies no seu meio natural mostra que desenvolvem rapidamente estratégias adaptativas perante as variações locais de temperatura, o que está em conformidade com as previsões da teoria da evolução.
- Geralmente, os climas mais quentes e mais húmidos (previsão dominante do IPCC para o século XXI) são considerados como favoráveis ao desenvolvimento da vida, o que se testemunha pela biodiversidade das zonas tropicais em relação às zonas moderadas ou polares.
- Alguns biólogos consideram que desapareceram 99 % das espécies. Em cada época da história da vida, espécies aparecem e outras desaparecem. A ideia de uma “conservação da vida no mesmo estado” não tem nenhum sentido do ponto de vista da evolução.
- É inútil agitar o pânico do aquecimento global para afirmar que as actividades humanas põem localmente em perigo numerosas espécies. O estudo aprofundado da preservação é indubitavelmente necessário. Uma abordagem racional e contextual contribuirá bem melhor do que análises ligeiras e globais cujo sensacionalismo é inversamente proporcional à eficácia.
- Seria interessante que os estudiosos se debruçassem também sobre um cenário de arrefecimento com mais consequências negativas para a biodiversidade do que os cenários de aquecimento.
[Texto entregue à II Conferência da WAVES Portugal. Foi adaptado, com a devida autorização, de um ensaio de Charles Muller autor do blogue Climat Sceptique ]
<< Home