quarta-feira, maio 19, 2010

Manifesto : Uma resposta a António Costa Silva

Por Jorge Pacheco de Oliveira

Num artigo com o inusitado título “Energia : o plágio dos orangotangos”, o semanário Expresso de 15/05/2010 publicou a réplica do Prof. António Costa Silva (ACS) à crítica que lhe foi dirigida, duas semanas antes, pelo Prof. Clemente Pedro Nunes (CPN), num artigo em que este respondia a anteriores críticas de ACS ao “Manifesto por uma Nova Política Energética em Portugal”, e que ACS, nesta réplica, designa, maliciosamente, por "Manifesto contra as Energias Renováveis". De facto, começa bem...

Não conhecia esta faceta truculenta de ACS, uma figura aparentemente simpática e cordata quando aparece nos ecrans de televisão, mas é bem verdade que na pele do cordeiro pode esconder-se um feroz leão. Ou, porventura, um ameaçador orangotango.

Acontece que a argumentação de ACS é errada e enganadora e sendo eu um dos subscritores do Manifesto não posso deixar de comentar o seu contundente artigo. Outras respostas certamente lhe serão dadas pelos mais directos visados, no mesmo ou noutros órgãos de comunicação social, pois, além de CPN, também Mira Amaral é duramente atingido pela verve cáustica de ACS.

Em primeiro lugar, contrariamente ao que afirma ACS, nenhum dos subscritores do Manifesto alguma vez declarou rejeitar as energias renováveis. Nem o texto do Manifesto contem qualquer afirmação nesse sentido.

O que se lê no Manifesto, e vale a pena recordar, pois se trata da principal linha de argumentação, é que “A subsidiação concedida aos produtores de energias renováveis é excessiva e contribui para agravar de forma injustificada os preços da energia eléctrica ao consumidor final”.

E lê-se ainda que “A subsidiação do sobrecusto das energias renováveis não pode constituir uma prática permanente. Apenas se justifica por períodos de tempo iniciais, muito limitados, para viabilizar actividades nascentes que revelem alguma perspectiva de se constituírem como formas competitivas de produção”.

A lógica desta argumentação é suficientemente sólida. Se ACS não a entende, o problema é dele e não dos subscritores do Manifesto.

Com tom indignado, ACS rejeita a "insinuação" de CPN acerca de uma putativa ligação sua a empresas de energias renováveis e esclarece os leitores de que é apenas gestor de uma empresa de petróleo e gás, a qual, por sinal, tem investimentos na energia eólica, mas ele, ACS, não tem nada a ver com a gestão desses investimentos. Com certeza, estamos conversados. E habituados a argumentos deste género...

De seguida, ACS perde-se na refutação dos números avançados por CPN. Neste aspecto ACS terá uma resposta por outra via, pelo que importa aqui salientar que é descabida a acusação de ACS de que o Manifesto está cheio de erros de palmatória. O que constitui um erro de palmatória é a afirmação de ACS de que “o défice tarifário tem mais de dez parcelas diferentes”. Não é nada disto !

O défice tarifário é apenas a diferença aritmética entre o valor total que os consumidores deveriam pagar se as tarifas respeitassem os aumentos preconizados pela ERSE e o valor que resulta de uma intervenção do Governo quando impõe limites a esses aumentos e leva os consumidores a pagar a diferença ao longo de vários anos, com juros obviamente.

Se ACS quer encontrar dez parcelas nesta diferença, mais uma vez o problema é dele. Com a sua irónica observação, ACS acaba por revelar que não sabe o que é o défice tarifário, confundindo-o com os chamados Custos de Interesse Económico Geral (CIEG) os quais, bem ou mal (no meu entender, mais mal do que bem), e tal como muitos outros custos, são incorporados nas tarifas. É nos CIEG que se encontram incluídos os sobrecustos da Produção em Regime Especial (PRE), cuja componente mais significativa corresponde à energia eólica. É claro que os CIEG contribuem para agravar a factura de electricidade dos portugueses, mas daí dizer que os CIEG são o défice tarifário vai alguma diferença...

A asserção de ACS de que Mira Amaral, em 1994, negociou, para as centrais do Pego e da Tapada do Outeiro, Contratos de Aquisição de Energia (CAE) com preços muito generosos, além de insidiosa é disparatada. Embora não tenha procuração do próprio, posso dizer que Mira Amaral não negociou qualquer CAE em particular. E sei, porque estive próximo do processo, que os CAE para aquelas duas centrais não se distinguem dos que foram estabelecidos para as centrais térmicas da EDP.

Todavia, se ACS quer dizer que estes contratos se revelaram muito favoráveis às empresas produtoras, isso é verdade, mas para todas e não apenas para as duas que mencionou, pois todas elas souberam gerir as suas centrais com grande eficácia de modo a alcançarem índices de disponibilidade nunca antes observados. Esta questão dos CAE levava-nos longe, mas para o efeito podemos ficar por aqui.

No que respeita à bombagem hidroeléctrica, a argumentação de ACS é desonesta. Por muito que ACS e outros críticos do Manifesto queiram desviar as atenções, a chamada complementaridade hídrica-eólica é, de facto, um expediente destinado a promover os interesses dos produtores eólicos e, de caminho, os das empresas concessionárias das barragens com albufeira, dotadas de grupos reversíveis.

Com efeito, perante o conjunto de parques eólicos existentes, a que acresce o número de parques planeados, a produção eléctrica de origem eólica pode ser, e será certamente excessiva durante algumas horas do dia e, sobretudo, da noite, em que os consumos mais se reduzem, ultrapassando largamente as necessidades de energia eléctrica do país. Como a energia eléctrica não é armazenável, caso não exista consumo para essa energia excedentária os produtores eólicos não poderão ligar-se à rede. Ora, a instalação de um maior número de grupos hidroeléctricos reversíveis vem proporcionar o consumo adicional necessário e se não constitui uma resposta aos interesses dos produtores eólicos, pelo menos parece.

Perguntar-se-á : mas não será lógico e defensável aproveitar e guardar a energia excedentária? Sim, seria, se essa energia tivesse preços aceitáveis. Só que não tem. Pelo contrário, tem preços exorbitantes, muito acima dos valores de mercado e garantidos por uma legislação que prejudica os consumidores.

É claro que os concessionários das barragens não perdem nada com o assunto. E até ganham, caso contrário não entrariam no esquema de forma tão entusiástica. Pudera. A energia consumida na bombagem não é paga por eles ao preço exorbitante das eólicas. É paga ao preço que vigorar no mercado, sempre inferior ao preço das eólicas, sobretudo durante a noite, em que poderá chegar a valores nulos ou próximos disso. Depois, podem turbinar às horas em que o preço de mercado venha compensar largamente os custos da bombagem e as perdas naturais do processo. Os consumidores, esses é que não ganham nada com o esquema, pois vão ter de pagar, com língua de palmo, os sobrecustos da energia eólica que é injectada na rede durante os períodos em que se revela excessiva e desnecessária.

Finalmente, como subscritor do Manifesto lamento que o Prof. António Costa Silva tenha tido a deselegância de classificar como “plágio do orangotango” uma intervenção cívica que apenas visava a denúncia e correcção de um conjunto de práticas que são lesivas da generalidade dos consumidores de energia eléctrica, o mesmo é dizer, da generalidade dos portugueses.

Recomendaria, por isso, ao Prof. António Costa Silva que, para além da citação de consonâncias simiescas a que recorreu, meditasse na resposta do biólogo Thomas Huxley ao bispo Samuel Wilberforce quando este, seis meses após a publicação da “Origem das Espécies”, perante umas centenas de pessoas reunidas no átrio da Universidade de Oxford, se referiu a Charles Darwin de uma forma sarcástica e grosseira. É fácil encontrar na internet.

Uma última observação :

Se os órgãos de comunicação social nacionais tivessem a isenção que deveriam ter - e não têm, como já se observou pela forma deliberada como ocultaram quase toda a informação crítica da tese oficial do aquecimento global - estariam agora a dar aos portugueses informação completa acerca do que está a ocorrer aqui mesmo ao lado, em Espanha, onde as energias renováveis, em particular a eólica, começaram a ser postas em causa de uma forma muito dura, precisamente pelos mesmos motivos que levaram os subscritores do Manifesto a tomar uma posição pública. Por sinal até foi antes dos espanhóis, mas para o efeito tanto faz.